Dando sequência à semana especial de aniversário do Dando a cara a tapa, eis que vos apresento o panorama que o Blog aguarda para essa tão maluca política nacional neste ano de 2022.
Sendo um ano de eleições gerais, o calendário real não obedece precisamente ao calendário gregoriano. Enquanto em “anos normais” tudo se inicia no dia primeiro de janeiro (ou depois do Carnaval, como queiram), quando há eleições para os Executivos e Legislativos federal e estaduais, a coisa muda de figura. Em regra, o ano começa por volta de abril, quando termina o prazo para desincompatibilização de quem quer concorrer, começa a esquentar por volta de agosto (depois das convenções partidárias) e termina no final de outubro, comecinho de novembro, quando há o segundo turno. Daí até o réveillon, os dias ganham os contornos de uma grande quarta-feira de cinzas.
No caso de 2022, contudo, essas regras não devem ser tomadas como balizas, a começar pelo fato de que o ano eleitoral de 2022 se iniciou em primeiro de janeiro de 2019, quando Bolsonaro subiu a rampa do Planalto. Desde então, o atual presidente da República já dera a partida para sua reeleição. Na verdade, pode-se dizer até que não houve sequer distinção entre o Bolsonaro candidato em 2018 e o Bolsonaro presidente a partir de 2019. A única diferença, por assim dizer, é que o ex-capitão da reserva passou a fazer campanha com a caneta de presidente na mão. E isso faz toda a diferença do mundo.
Para além disso, é duvidoso que este ano se encerre após o segundo (ou será o primeiro?) turno. Ou alguém acredita que, diante de uma derrota nas urnas, Bolsonaro vai se recolher para lamber as feridas e promover uma transição civilizada, como a que recebeu de Michel Temer? O mais provável, portanto, é que o período mais quente do ano não seja propriamente aquele em que a campanha pega fogo, mas, sim, o período imediatamente posterior à contagem dos votos, quando toda a gente se prepara para ver Bolsonaro tentando fazer um cosplay de Donald Trump para embaraçar a posse do novo presidente eleito.
Mas quem será o novo presidente eleito?
Eis a pergunta de um milhão de dólares.
Via de regra, as eleições presidenciais no Brasil convidam a um segundo turno (para saber por quê, clique aqui). Desconsiderando-se as eleições de 1994 (Plano Real) e de 1998 (com o Real em xeque), todas as outras terminaram numa disputa em segunda volta dos dois primeiros colocados no primeiro turno. Na eleição deste ano, todavia, a tendência parece caminhar numa outra direção. Isso ocorre por dois fatores:
Em primeiro lugar, começam a ser aplicadas as chamadas “cláusulas de barreira” para partidos políticos. Doravante, para ter direito a tempo de TV, espaço de liderança no Parlamento e – claro – o rico dinheirinho do fundo partidário, os partidos terão de obter determinado percentual de votos nas eleições. Numa conta de padeiro, estima-se que pelo menos metade dos atuais 35 partidos políticos que o Brasil obscenamente ostenta deixarão de existir. Por isso mesmo, a maioria dos partidos pequenos e médios deixará de lançar candidatos ao Planalto, para poder investir nas candidaturas de seus parlamentares. A esperança é conseguir atingir o mínimo necessário para poderem sobreviver sem depender de ficarem sob o guarda-chuva de partidos maiores nas chamadas “federações partidárias”.
Em segundo lugar, com menos candidatos a presidente na disputa, maior tende a ser a concentração de votos, tanto de um lado, quanto de outro. Nesse sentido, há uma vantagem indiscutível para Luís Inácio Lula da Silva. Líder de todas as pesquisas, o torneiro bissílabo de São Bernardo já traz consigo o eleitorado cativo de 90% da esquerda brasileira. Para alcançar a maioria de votos, basta que agregue parte dos votos do centro e da centro-direita, algo que ele já tenta fazer ao acenar com Geraldo Alckmin de companheiro da República. Se o PDT – premido pela ameaça da cláusula de barreira – resolver rifar a candidatura de Ciro Gomes, o jogo estará praticamente jogado; só uma hecatombe de proporções apocalípticas tiraria de Lula uma vitória no primeiro turno.
Claro que nem tudo está perdido para Jair Bolsonaro. Além de ser o atual incumbente, com a inércia do cargo e a caneta na mão a seu favor, Bolsonaro tem toda a expertise de utilizar o espantalho do “comunismo” ou do “socialismo” para vociferar contra a “volta do PT”. Isso, entretanto, parece pouco para poder fazer frente a Lula em outubro. Para melhor explicar, convém desmistificar uma lenda que insiste em ser difundida nas grandes redações de jornalismo deste país.
Desde o primeiro turno de 2018, quando ficou claro que Jair Bolsonaro iria ganhar a eleição, vende-se na grande mídia a idéia de uma “polarização” entre o PT e Bolsonaro. Trata-se de um dos reducionismos mais estapafúrdios que já tentaram fazer com que o brasileiro engolisse em todos os tempos.
Nunca houve polarização entre Bolsonaro e o PT. O que houve – e ainda há – é uma polarização entre o petismo e o anti-petismo. Bolsonaro não foi sufragado na eleição passada porque fosse um portento de votos ou porque agregasse em torno de si um “pólo” do eleitorado nacional. Se assim fosse, os cientistas políticos teriam de explicar como um tamanho fenômeno eleitoral passou 28 anos escondido no baixíssimo clero da Câmara, sendo conhecido mais pelas polêmicas que produzia do que por sua suposta capacidade eleitoral.
Na verdade, Bolsonaro foi eleito porque, pelas circunstâncias que fizeram da eleição de 2018 uma das mais bizarras da nossa história, conseguiu encarnar à perfeição o figurino do “herói anti-petista”. Se, por exemplo, estivesse no lugar do candidato do PSL um chimpanzé bêbado, o chimpanzé bêbado teria derrotado Fernando Haddad naquele segundo turno. Só isso explica porque Bolsonaro tenha sido eleito sem praticamente fazer campanha. Sem tempo de TV e prostrado numa cama de hospital, Bolsonaro foi literalmente “eleito” pelo povo, que queria ver o Cão, mas não queria ver o PT de novo na Presidência.
Obviamente, o fracasso do governo Bolsonaro nas mais diversas áreas, em especial na economia e na pandemia, acabou por fazer com que grande parte dessa ojeriza que o eleitor nutre pelo PT fosse deixada de lado. Hoje, o anti-bolsonarismo é uma força muito mais poderosa do que foi o anti-petismo. Para polir a própria imagem no meio desse cenário adverso, Bolsonaro teria necessariamente de apresentar um governo de grandes realizações. E grandes realizações é tudo o que não há em seu governo.
Para piorar, as vias eleitorais que tradicionalmente são utilizadas pelos governantes para tentarem se cacifar a um novo mandato parecem interditadas para Bolsonaro. Uma coisa é o sujeito tentar montar em cima das coxas um programa de assistência social para disputar, por exemplo, com Aécio Neves ou José Serra. Com a história que o PSDB exibe, é fácil vender o peixe de “candidato anti-povo” contra os tucanos. No entanto, essa mesma receita valerá contra Lula, o “novo Vargas”, “pai dos pobres”, que “veio em um pau-de-arara para São Paulo”? Difícil de acreditar nessa hipótese. Numa disputa de caráter assistencialista, é mais fácil pensar que o eleitor dará mais crédito ao babalorixá petista do que a um candidato que, até outro dia, chamava o Bolsa-Família de “bolsa-farelo”.
Ainda estamos em janeiro e, claro, tudo pode acontecer (inclusive nada). Mas, fazendo-se as ressalvas de praxe, o cenário mais provável é que Luís Inácio Lula da Silva seja eleito, pela terceira vez, presidente da República. E, ao contrário das outras duas eleições em que ganhou, desta vez ele deve ganhar no primeiro turno.
Trata-se, sem dúvida, de uma previsão ousada. Mas, afinal, não é o mote deste espaço dar a cara a tapa?
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