Voltando às atividades regulares aqui no Blog, vamos – como prometido – iniciar esta semana especial com a retrospectiva desta que foi, provavelmente, a eleição mais importante dos nossos tempos.
É bem verdade que a tal da “polarização” atiçou os ânimos e turvou a compreensão da maioria da população. Mas a nossa tarefa aqui é tentar colocar a bola no chão com o máximo de isenção possível, para que você, leitor amigo, possa tirar as próprias conclusões sobre esse período conturbado da nossa nação. Com alguma sorte, será possível também imaginar algumas hipóteses sobre o que o futuro nos reserva.
Sem nos adiantarmos, contudo, vamos ver como foi o primeiro turno das eleições gerais de 2022.
Eleições gerais de 2022: O primeiro turno
Eu sei, eu sei.
Aqueles que possuem boa memória deverão se lembrar de que o Blog previu aqui a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno das eleições deste ano. Embora a profecia tenha sido oficialmente enunciada em janeiro deste ano (aqui), a primeira vez em que se aventou a possibilidade de algo do gênero data de novembro de ano passado (aqui). Como todo mundo sabe, a previsão deu com os burros n’água, pois Lula teve de ir ao segundo turno contra Bolsonaro para poder ter o direito de subir a rampa do Planalto pela terceira vez em sua vida.
Mas o que deu errado com essa previsão?
Antes de mais nada, deve-se destacar que Lula esteve a meros 1,5% de levar a contenda no primeiro round. Isso, contudo, não exime o erro da previsão, pois, neste caso, o que vale é o resultado final (que esteve errado).
Não se tratava, na verdade, de uma aposta despropositada. Vindo do recall de dois mandatos e do epíteto de “político mais popular da Terra”, Lula carregava consigo o carisma natural daquele que é reconhecido por todos como o político mais talentoso de sua geração. Evidentemente, isso não seria suficiente para alcançar uma vitória tão consagradora em primeiro turno, coisa que ele não conseguiu fazer mesmo cavalgando a máquina federal em seus tempos de governo. Afinal, em um sistema presidencialista hipertrofiado como brasileiro, estar sentado na cadeira de presidente faz toda a diferença. E foi justamente isso que Bolsonaro mui espertamente concluiu.
Dono de algo como 20% do eleitorado brasileiro, que se situa à extrema direita do espectro político, Bolsonaro também sabia que Lula seria uma parada encarniçada de se enfrentar numa disputa presidencial. Com seus sócios do Centrão – em especial, Arthur Lira e Ciro Nogueira -, resolveu explodir todos os limites que, mal e porcamente, garantiam um mínimo de paridade de armas entre os opositores e o candidato à reeleição. Foi assim que nasceu a “Pec Kamikaze”.
Numa só tacada, foram mandados à lata do lixo a regra de ouro (que impede endividamento para pagar gastos correntes), a Lei de Responsabilidade Fiscal (que exige contrapartidas fiscais para novas despesas do governo) e a Lei Eleitoral (que impede a concessão de benefícios em período eleitoral). Dessa forma, injetaram-se mais de R$ 100 bilhões na economia, na forma de aumento do auxílio-brasil, concessão de auxílio a taxistas e a caminhoneiros, e até mesmo na permissão de cessão de bens públicos a prefeituras durante as eleições. Tudo isso e mais uma intervenção draconiana no ICMS dos Estados, fazendo com que estes perdessem outros R$ 100 bilhões em receitas para operar a mágica de reduzir o preço dos combustíveis e as contas de energia.
Mesmo essa quantidade de medidas, todavia, não era suficiente para tornar Bolsonaro favorito na contenda. Salvo nos grupos de zap profundo bolsonaristas, ninguém levava a sério a hipótese de Bolsonaro vencer no primeiro turno. Sabia-se que ele chegaria atrás de Lula. As únicas dúvidas eram a distância entre os dois e se Lula seria capaz de impedir que a disputa fosse ao segundo turno.
Mas por que Lula não ganhou no primeiro turno?
Não há ainda uma resposta segura para explicar o que se passou, mas há duas hipóteses a serem seriamente consideradas.
A primeira delas, por óbvio, passa pelas candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet. Nenhuma delas pôde fazer frente aos dois gigantes em combate, mas, dentro das suas limitações, ambas conseguiram arregimentar boa parte dos votos “nem-nem” (nem Lula, nem Bolsonaro). Se qualquer um dos dois tivesse desistido da disputa, é bem provável que não tivesse havido segundo turno.
A segunda hipótese deve-se não a qualquer mérito da campanha de Bolsonaro, mas a algumas questões intrínsecas a Lula e, mais propriamente, ao seu partido: o PT. Lula e os petistas sempre enxergaram em Bolsonaro o candidato perfeito para fazer com que o torneiro bissílabo pudesse retornar triunfalmente à Presidência da República. O PT sempre teve pretensões hegemônicas e nunca gostou de dividir poder com ninguém. Talvez por isso mesmo, imaginavam que não fosse necessário ceder tanto ou negociar tanto para garantir uma vitória no primeiro turno.
É bem possível, portanto, que Lula e o PT imaginassem que o cesto de votos “democratas” cairia por gravidade em seu cesto ainda no primeiro turno, só pelo risco que essas pessoas imaginavam de um segundo turno contra Bolsonaro. Só isso explica o fato de que Lula não tenha sequer formulado um plano de governo para apresentar à população, fiando sua candidatura praticamente na base do la garantía soy yo. Como se viu depois, isso não foi o bastante para assegurar ao ex-presidente a vitória no pleito de 2 de outubro, adiando-se a comemoração para o dia 30 do mesmo mês.
Como isso se deu?
É o que será analisa no post de amanhã.