Recordar é viver: “México 2014”

Completada uma década desde quando o Brasil recebeu a (agora famigerada) Copa do Mundo de 2014, a triste (e óbvia) constatação de que nem sequer metade das obras previstas para a sua realização foram terminadas.

Oportunidade, portanto, para recordar um dos posts mais antigos da seção de Esportes deste espaço.

É o que você vai entender, lendo.

México 2014

Publicado originalmente em 20.07.11

“Por quê?”

Explico:

Pouca gente lembra, mas em 1986 a Copa do Mundo deveria ter sido realizada na Colômbia. Escolhida 8 anos antes, a Colômbia passou a bola pra frente. Seu então Presidente, Belisário Bettencourt, levou o pé à porta: disse que tinha coisa melhor pra fazer com o dinheiro que seria gasto para construir estádios. Se a Fifa quisesse realizar a Copa na Colômbia, que tratasse de arrumar dinheiro. Grana do pobre estado colombiano, nem pensar. Ao fazer o anúncio, Belisário disse o seguinte:

“Aqui não se cumpriu com a regra de ouro em que a Copa deve servir à Colômbia e não a Colômbia à multinacional Fifa. Por essa razão, a Copa de 1986 não ocorrerá no nosso país. Nossas necessidades reais são outras. Não há tempo para atender às extravagâncias da Fifa e seus sócios”.

Em outras palavras: dane-se a Fifa. Vou cuidar do país, que é mais importante.

Sem alternativas à mão, coube à Fifa pedir arrego ao México. Reciclando os estádios da Copa de 70, haveria pelo menos um palco onde os jogos poderiam se realizar. Ninguém contava, entretanto, com um terremoto devastador a atingir a Cidade do México um ano antes da Copa. 7 mil mortos, outros milhares desabrigados e metade da cidade reduzida a ruínas. Mesmo assim, a ferro e fogo, o também miserável México levou a cabo a realização da Copa, para alívio de seu então presidente, o belga Jean Marie Faustin Godefroid Havelange.

Quase 30 anos depois, o Brasil ganharia muito mais se optasse por se comportar como a Colômbia do que se manter servil como o México.

Há quatro anos, quando se soube que o Brasil receberia a Copa, a cartolagem parolava repetidamente os seguintes mantras: “Os estádios serão construídos pela iniciativa privada”; “Não haverá gasto de dinheiro público”; “A Copa trará desenvolvimento para as cidades-sede. Elas receberão melhorias de infra-estrutura”.

Hoje, a iniciativa privada escafedeu-se. Quando muito, constrói, desde que o BNDES banque o investimento. Risco, portanto, zero.

O dinheiro público está indo para o ralo em estádios que, depois da Copa, servirão pra pouca coisa. Pegue-se o caso do Recife. Os três times da capital (Santa Cruz, Sport e Náutico) têm estádio próprio. Resolveu-se construir um outro, em Olinda, cidade desprovida de um time de massa.

Quanto às melhorias, melhor nem falar. No Ceará, por exemplo, não há uma única obra cujo projeto executivo esteja finalizado. Quem duvida, pode consultar o Portal da Transparência do Governo. Salvo o estádio, nada começou. Aeroporto, metrô, ampliação de avenidas, integração de transporte público, tudo isso é miragem. No resto do país, a situação é mais ou menos a mesma.

Posso parecer pessimista, mas chegaremos a 2014 com estádios sendo concluídos às pressas, tendo gastado rios de dinheiro que poderiam ter uma destinação social infinitamente melhor. “E as obras de melhoria de infra-estrutura?” Bem… Essas vão ficar esperando o próximo “grandioso evento” que o Brasil vier sediar.

Melhor seria se a Copa do Mundo de 2014 se realizasse no México. A conferir.

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Trilha sonora do momento

E como ontem se completaram cinquenta anos da Revolução dos Cravos em Portugal, vamos com a música que talvez melhor retrate aquele momento glorioso dos nossos patrícios lusitanos.

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Pensamento do dia

Quando alguém que você admira intelectualmente parece mergulhado em profundos pensamentos, em regra ela está pensando em alguma pequena sacanagem.

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Nau à deriva, ou Para onde vai o Governo Lula?

Quem acompanha política há algum tempo sabe que existe um padrão que mais ou menos se repete ao longo dos anos: em qualquer esfera, quando um governo antigo sai, um novo assume e, até que as abóboras se ajeitem na caçamba, o caminhão tem de passar por muito buraco no caminho. Ou seja: há muita bateção de cabeça e desencontros na equipe, até que a coisa afinal comece a se acertar e a administração possa tomar um rumo.

Essa não era bem a expectativa quando Luís Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Planalto pela terceira vez. Não só porque ele próprio havia subido outras duas vezes, mas também porque, por interposta pessoa (Dilma Rousseff), Lula e sua equipe já haviam percorrido aquele mesmo trajeto outro par de vezes. No somatório geral, foram portanto quatro vezes em que a trupe petista esteve albergada no coração do poder. Logo, não dá pra ter com ela a mesma paciência dispensada a quem assume a Presidência pela primeira vez.

Vencedor do pleito mais disputado da nossa breve história democrática, Lula estava careca de saber que iria assumir um país fraturado até a medula. Não só porque o anti-petismo – presente desde sempre em todas as eleições presidenciais de 1989 até 2022 – estava lá novamente, mas porque o seu antípoda – o bolsonarismo – havia cupinizado as instituições da República, a ponto de tornar possível uma tosca tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023. Lula sabia que precisava de uma “frente ampla” para derrotar Bolsonaro. O que ele parece não ter entendido, contudo, é que ele também precisava de uma frente ampla para governar o país após tomar posse.

Desde quando assumiu, Lula e seu inner circle parecem ter acreditado que a esquerda – mais especificamente, a esquerda representada pelo PT – ganhou sozinha a eleição. Na verdade, não fosse o apoio de uma parcela considerável da população que detesta o PT mas, ainda assim, preferia o partido da Estrela Vermelha a uma ditadura Bozística, Lula teria sido mandado de volta pra casa (e, possivelmente, para a prisão depois disso). Foram os votos dos tão famigerados “liberais” e “isentões” que permitiram à esquerda voltar novamente ao centro do poder em Brasília.

Não bastasse essa piração esquerdista coletiva, Lula parece não ter compreendido o grau de devastação institucional que o bolsonarismo conseguiu deixar na República. Em 2003, quando assumiu o governo pela primeira vez, a esquerda não era tão minoritária no Congresso como era agora. Além disso, com o centrão da época, espelhado no velho PMDB, era possível negociar em termos razoáveis, na velha base do toma-lá, dá-cá das emendas parlamentares.

Hoje, além de a esquerda estar reduzida a menos de 1/3 do parlamento, o centrão de agora esbaldou-se nos dinheiros do orçamento que foram sequestrados durante o desgoverno Bolsonaro. Como a Jair não interessava outra coisa senão passear de moto, jet ski e tentar organizar um golpe de Estado, o centrão vendeu os seus serviços em troca do assenhoramento de praticamente toda a verba discricionária existente no orçamento da União. Pior. Nem sequer a prerrogativa de pagar ou não as emendas restou mais ao Governo, impositivas que quase todas elas viraram nesse período de trevas da República.

Sem maioria congressual e com instrumentos reduzidíssimos para cooptar algo que se pudesse assemelhar a uma “base de apoio”, a Lula restava manter os compromissos que firmara durante a eleição, ou seja, trazer para seu barco toda a gente que se dispusesse a reconstruir o país de modo a garantir a democracia tão duramente conquistada pela geração anterior. Ao invés de fazer isso, Lula loteou os principais centros de distribuição de poder entre petistas e empalhou duas de suas maiores estrelas (Marina Silva e Simone Tebet) em ministérios que, se não se pode dizer que sejam irrelevantes, possuem pouca ou nenhuma expressão real de poder.

Para piorar, na tentativa de trazer o país de volta ao mundo (o que é correto), Lula parece ter se esquecido de ter indicado alguém para tocar a quitanda na sua ausência. Em um cenário ideal, Lula viajaria o mundo, vendendo o país com a ajuda de sua extraordinária história política, e deixaria a um preposto (Geraldo Alckmin?) o papel de ser o “primeiro-ministro” na sua falta. Desse modo, a roda continuaria girando por aqui e Lula seguiria fazendo aquilo que ele mais gosta: posar de líder global frente à mediocridade geral das lideranças dos países ricos.

O que ocorreu, ao contrário, foi que Lula continuou viajando e, na sua ausência, ninguém ficou empoderado para resolver as pendengas políticas do dia-a-dia. Resultado: crises e paralisia da máquina, tudo na espera dos retornos do Presidente para arbitrar os conflitos entre os seus ministros. Como desgraça pouca é bobagem, não havendo professor para colocar ordem na sala, instaurou-se a balbúrdia do cada um por si no governo. A isso se deve, por exemplo, a crise da distribuição dos dividendos da Petrobras, numa briga pública entre o Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Em um governo “normal”, coisas assim jamais aconteceriam.

Comenta-se nas matérias de jornal que, com 78 anos nas costas, Lula já estaria velho e de “saco cheio” para fazer “política”, isto é, receber parlamentares e lideranças para conversar, celebrar acordos, organizar consensos, de maneira a fazer com que sua agenda caminhe. Pode ser. O fato, contudo, é que o Presidente da República é ele. E só ele pode dizer para onde quer levar o seu governo.

Há exato um ano, escreveu-se aqui sobre os 100 primeiros dias do Governo Lula. Na ocasião, foi constatado que o impulso inicial do novo governo – anestesiado pela tentativa de golpe do dia 8 de janeiro – havia se perdido em “intrigas palacianas e guerrinhas de poder entre as diversas alas do PT”. Passados 365 dias, é triste constatar que nada mudou nesse cenário. A nau, como se vê, continua à deriva, sem que o capitão se disponha a assumir o leme da embarcação.

Que Deus nos ajude…

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Trilha sonora do momento

Tá dureza….

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Pensamento do dia

Errar é humano. Colocar a culpa no outro é política.

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Trilha sonora do momento

E como hoje é aniversário do “descobrimento” do Brasil, nada melhor do que recorrer à música que talvez melhor espelhe a alma deste país ao sul do Equador.

Porque Cazuza era um gênio, e poucas vozes são tão marcantes quanto à da saudosa Gal Costa…

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Pensamento do dia

Never get so busy making a living that you forget to make a life.

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Recordar é viver: “(Mais uma) Crise militar, ou O papel dos militares numa democracia

E como hoje, além do Dia do Índio, comemora-se também o Dia do Exército, vamos recordar um post de três anos atrás, quando o golpismo bolsonarista ainda pulsava com vigor no centro da capital federal.

É o que você vai entender, lendo.

(Mais uma) Crise militar, ou O papel dos militares numa democracia

Publicado originalmente em 10.7.21

De tédio ninguém morre neste país.

Dois fatos – a nota desairosa dos chefes militares contra Omar Aziz e a entrevista do comandante da Aeronáutica ao Globo – conseguiram deixar ainda mais conspurcado um ambiente que já se demonstrava tóxico há algum tempo. Somando-se a isso os xingamentos proferidos pelo Presidente Jair Bolsonaro à CPI que investiga o papel do governo na pandemia e ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, tem-se um caldo perfeito para uma crise constitucional de proporções bíblicas.

Começando pelo primeiro, a nota assinada pelo Ministro da Defesa e pelos comandantes das três Armas contra o senador Omar Aziz revelou-se desproporcional na reação, deselegante na forma e intimidadora no gesto.

A nota foi desproporcional na reação porque em momento algum Aziz fez a “generalização” de que foi acusado. Por mais de uma vez, o presidente da CPI deixou bem claro que os indícios de corrupção se referiam a elementos individuais e que isso em nada maculava as Forças Armadas como instituições do Estado. E aí fica a dúvida: o problema foi de interpretação de texto ou a manifestação de Aziz foi somente o pretexto para uma expressar uma vontade que já se encontrava latente?

A nota foi deselegante na forma porque não cabe aos chefes militares se manifestarem politicamente sobre o que quer que seja, muito menos contra a atuação de uma comissão do Parlamento brasileiro. Manifestação, se necessária, deveria ser assinada somente pelo Ministro da Defesa, representante político das Armas. Fora isso, a nota deveria se ater a termos institucionais, jamais usar expressões do tipo “vil” ou “irresponsável”, comuns às disputas políticas do dia-a-dia.

Por fim, a nota foi intimidadora no gesto porque, ao colocar os comandos militares em rota de colisão com o Congresso, o braço armado do Estado “alertou” aos representantes eleitos pelo povo que “não aceitarão qualquer ataque leviano” às Forças Armadas. Faltou, contudo, explicar de que forma novos “ataques” não serão “aceitos”. Os militares vão colocar tanques e tropas nas ruas? A Marinha vai interditar os portos? A Aeronáutica vai bombardear o Congresso?

Como se a nota em si não bastasse, a entrevista posterior do Comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior, deixou o clima ainda mais pesado. Reforçando o que seria, na sua visão, um “alerta às instituições”, o Comandante da Aeronáutica deixou implícita a possibilidade de recorrer ao uso da força quando disse que “Nós não enviaremos 50 notas para ele (Omar Aziz). É apenas essa”.

Desde o começo, a mistura e o apagar de limites entre governo e Forças Armadas demonstrava que não daria certo. Gostosamente, os militares aceitaram de bom grado os milhares de cargos oferecidos pelo Presidente Jair Bolsonaro a fardados da reserva e da ativa. Agora, quando submetidos aos ônus que uma tal imersão política invariavelmente impõe – entre eles, a possibilidade de desvios de conduta -, não querem admitir que venham a ser acusados de coisa alguma.

Convenhamos, não se trata de uma posição aceitável. Ou bem os militares fazem parte do governo e arrastam consigo o ônus de ser governo, ou bem ficam de fora do jogo miúdo da política ordinária, e aí podem dizer à vontade que não se misturam com os pecadilhos do mundo civil. O que não dá é querer somente o melhor dos dois mundos: as benesses dos cargos civis com a suposta imaculabilidade do mundo militar.

Desde sempre, os militares costumam se colocar no Brasil como uma casta de seres iluminados, como se de algum modo os males mundanos que normalmente contaminam o ambiente civil não pudessem os atingir de forma nenhuma. Como já se escreveu aqui certa feita, essa idealização é uma tolice, porque pode-se roubar até na fabricação de hóstias. A única forma que as instituições militares têm de se manterem à margem do jogo baixo da política é justamente aquela de que se esqueceram quando resolveram entrar de cabeça no governo: manterem-se completamente afastadas do mundo político.

Na verdade, os militares não são nem mais honestos nem mais competentes do que os civis. Como seres humanos, são submetidos ao mesmo tipo de tentação que acomete qualquer cristão. E, invariavelmente, sempre haverá uma ou outra ovelha desgarrada que seguirá pelo mau caminho. Se – e destaque-se aqui o “SE” – foi o caso de algum dos militares que ingressou no governo, nada mais natural que o Congresso o investigue e, se for o caso, denuncie-o à Justiça. Recorrer à farda para escapar das vicissitudes da vida civil não pode representar outra coisa senão covardia.

Não custa também recordar que, como outorgados do monopólio da força estatal, os militares são – ou deveriam ser – completamente apolíticos na vida institucional. Do cadete ao general, qualquer um pode ter a opinião política que for. Mas, quando se trata da instituição militar (Exército, Marinha e Aeronáutica), é indispensável que os militares não tomem partido. Do contrário, a delicada balança do equilíbrio institucional pode se desequilibrar, com os resultados que todos nós já conhecemos.

Para finalizar, nada melhor do que relembrar o célebre do discurso do General Mark Milley. Colocado contra à vontade no meio de um “escândalo” simplesmente por aparecer fardado ao lado do então presidente Donald Trump, Milley proferiu um discurso histórico para demarcar os limites das instituições armadas no jogo democrático. Comandando as Forças Armadas mais profissionais do planeta, Milley ensinou:

“Nós não prestamos juramento a um indivíduo. Prestamos juramento à Constituição”.

Abaixo, um trecho desse discurso, para quem se interessar(infelizmente sem legendas):

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Trilha sonora do momento

E como hoje é Dia do Índio, vamos de Legião Urbana pra desopilar.

Porque Urbana legio omnia vincit.

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