O fator Moro, ou A terceira via fake

Nessa o Blog tem que dar a mão à palmatória. Ao contrário do que foi profetizado aqui, e contrariando as previsões da maioria dos analistas políticos do país, o ex-juiz Sérgio Moro resolveu abraçar de vez a carreira política. Seu propósito, ao que tudo indica, é concorrer à cadeira mais poderosa da República, a mesma em cujo assento ele ajudou a colocar Jair Bolsonaro, o responsável pela caída em desgraça do outrora todo-poderoso juiz da Lava-Jato.

Como era de se esperar, a entrada definitiva de Sérgio Moro no debate político animou a militância lavajatista e reabriu velhas feridas abertas pelo ícone da maior operação de combate à corrupção da história do país. Com as exceções de praxe, Moro conseguiu produzir uma proeza de raro alcance: da extrema-direita à esquerda, toda a gente detesta o ex-juiz. Na extrema-direita, Moro é visto como o “Judas” da causa bolsonarista, pela forma com que deixou o atual governo. Na esquerda, o ex-juiz é visto como um magistrado parcial, que corrompeu o sistema de Justiça para eleger o adversário de Luís Inácio Lula da Silva. Descontados os exageros de parte a parte, as duas avaliações estão mais próximas da realidade do que a imagem com a qual Moro pretende se vender ao grande público.

É certo que a entrada do ex-juiz na corrida presidencial mexeu com o tabuleiro político de 2022. Não era pra menos. Afinal, depois de Bolsonaro (presidente) e Lula (ex-presidente), Moro é de longe o candidato mais conhecido do eleitorado. A projeção que alcançou, primeiro como juiz da Lava-Jato, depois como Ministro da Justiça, dificilmente seria alcançada por qualquer outro contendedor nessa disputa. E olha que estamos falando de um ringue no qual trafegam em vias distintas Ciro Gomes (três eleições nas costas) e João Doria (governador do estado mais populoso do país).

Talvez por isso mesmo, a mera entrada de Sérgio Moro em cena foi capaz de catapultá-lo imediatamente ao terceiro posto das pesquisas presidenciais do ano que vem. Além de Lula e de Bolsonaro, ele é o único que consegue pontuar na casa dos dois dígitos, com mais que o dobro de intenções de voto dos concorrentes mais próximos. Para quem nunca concorreu a um cargo eletivo, deve-se reconhecer que essa é uma façanha e tanto.

Todavia, da mesma forma que Moro é muito conhecido, o ex-juiz é também muito rejeitado. Sem jamais ter ocupado propriamente qualquer cargo de gestor (prefeito, governador ou presidente), Moro exibe impressionantes 61% de rejeição, abaixo apenas do seu antigo chefe, Jair Bolsonaro, que lidera todas as pesquisas nesse quesito. Em favor de Bolsonaro, contudo, pesa o fato de estar no cargo de maior evidência do país (o que naturalmente concentra o foco de rejeição do eleitorado). Ademais, com a caneta na mão, o atual inquilino do Planalto dispõe de diversas cartas na manga para tentar reduzir a antipatia do eleitor, cortesia com a qual Moro não conta.

Sedenta de uma alternativa a Lula e Bolsonaro, parte da grande mídia embarcou de pronto na canoa morista. De repente, não mais que de repente, Sérgio Moro foi alçado à condição de “salvador da Terceira Via”. Com quase 10 candidatos tentando correr nessa raia e praticamente nenhum mostrando alguma chance de vitória, Moro seria a “Terceira Via viável”, capaz de romper de fato o duelo titânico entre Lula e Bolsonaro.

Mas será que Sérgio Moro pode ser enquadrado como candidato da “Terceira Via”?

A menos que se torture o conceito daquilo que se entende por “Terceira Via”, a resposta a essa pergunta só pode ser um rotundo não.

Pra começo de conversa, Moro vem da mesma extrema-direita que pariu Jair Bolsonaro. O fato de ser (só um pouco) mais articulado que Bolsonaro e não ter o hábito de falar palavrões aos microfones não descaracteriza o ex-juiz como candidato extremista. Suas idéias de “Justiça”, bem como suas ações enquanto esteve no Ministério de Bolsonaro, especialmente a atuação dele durante o motim da PM no Ceará, desautorizam completamente a noção de um sujeito “moderado”, adepto das teses democráticas.

É sempre bom lembrar que o conceito de “Terceira Via” embute, necessariamente, uma alternativa de pacificação, de alguém que não seja oriundo das hostes de nenhum dos lados, capaz de fazer superar essa polarização odienta que tanto mal fez ao país. O leitor amigo haverá de convir que, para esse propósito, não existirá candidato menos indicado do que Sérgio Moro, o único sujeito capaz de suscitar o ódio dos dois lados.

Seja lá como for que se queira enquadrar Sérgio Moro no espectro político, esse não é o principal ponto a se considerar nessa questão. A grande questão a ser respondida é: qual é a viabilidade eleitoral do ex-juiz da Lava-Jato?

Que Sérgio Moro possui cacife para ser um importante influenciador na disputa presidencial, disso ninguém duvida. Com todos os percalços que teve, a Lava-Jato ainda figura no imaginário popular como uma grande operação de combate à corrupção, que encarcerou tubarões em um país acostumado a prender apenas as sardinhas. A despeito dos infames diálogos captados na Operação Vaza-Jato, seria de extrema ingenuidade achar que violações ao devido processo legal seriam capazes de jogar por terra a reputação que Sérgio Moro construiu nessa parcela da população. Só isso, contudo, não será suficiente para levar sua candidatura além da primeira ronda e, mais ainda, à vitória no segundo turno.

Resta claro que Moro não disputará votos com Lula. Seu caminho, portanto, tem que ser construído a partir das supostas ruínas da candidatura Bolsonaro. A preço de hoje, o atual presidente é o favorito para eleger o torneiro bissílabo de São Bernardo para um terceiro mandato no Planalto. O jogo, entretanto, está longe de estar jogado.

Para que Moro suba nas pesquisas, ele terá de demonstrar necessariamente que é capaz de se tornar o “anti-Lula”, ou seja, o candidato capaz de derrotar o presidenciável petista no segundo turno. Nesse quesito, Bolsonaro leva vantagem, tanto pelo histórico da eleição passada, como também por ter uma estratégia de campanha clara: segurar-se na sua turba radical para ir ao segundo turno e, em lá chegando, demonizar o “comunismo” de Lula e o “socialismo” do PT, coisas na qual – há se reconhecer – o presidente é especialista.

Ao contrário do que indica o senso comum, portanto, a briga de Moro não é – pelo menos por ora – com Bolsonaro, mas, sim, com Lula. Se o ex-juiz não conseguir se aproximar minimamente do ex-presidente nas pesquisas de segundo turno, o mais provável é que sua candidatura vá definhando aos poucos, até o ponto de tornar-se inviável. Afinal, se for pra perder para Lula – pensará o eleitor figadalmente anti-petista -, melhor arriscar com Bolsonaro, que já demonstrou alguma expertise na matéria e é o atual presidente, com a caneta na mão. Nesse cenário, Moro seria uma aposta muito mais arriscada, com chance muito menor de sucesso.

A entrada de Sérgio Moro como forte candidato à cadeira presidencial, em resumo, é uma hipótese ainda por ser testada. E, caso venha a suceder, ele não correrá jamais na raia da “Terceira Via”, mas, sim, tentando desbancar Bolsonaro da “Primeira Via”, aquela que representa o atual poder na sua tentativa de reeleição. Resta saber, contudo, se o ex-juiz terá estômago e disposição para enfrentar a empreitada.

A julgar pelo seu caráter e pelo seu histórico, o mais provável é que a resposta a essa pergunta seja não…

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