Cristianismo x Espiritismo

A Religião sempre foi um tema muito querido aqui neste espaço. No entanto, já há algum tempo não rola nenhum post sobre o assunto. Para reparar a falta, vamos tocar em um ponto extremamente delicado, com potencial risco de ferir susceptibilidades alheias, embora esta não seja a intenção: a análise da doutrina espírita.

Baseada em cinco obras escritas por um francês chamado Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecida pelo pseudônimo que adotou (Alan Kardec), o Espiritismo condensa estudos e pensamentos filosóficos e teológicos acerca da alma humana. Com o propósito declarado de elevar o patamar moral de seus seguidores, o Espiritismo utiliza elementos do cristianismo para compor sua própria doutrina. A base de sua formação é o Novo Testamento, além, é claro, dos livros escritos por Alan Kardec, que propõe uma releitura da Bíblia cristã para adaptá-la àquilo que entende como a descrição mais fidedigna da idéia do “Divino”.

Em que pese constituir uma inegável propagação religiosa, o Espiritismo defende que sua doutrina incorpora elementos da própria Ciência, de maneira a unir esses dois pontos extremos da existência humana. Nesse contexto, as manifestações espíritas – reencarnação, mediunidade, imortalidade da alma – devem ser compreendidas através de um “olhar científico”, que procura dar embasamento empírico àquilo que seus adeptos professam.

Apesar de usar a Bíblia como uma das bases de sua doutrinação e até mesmo acreditar em Jesus Cristo, os espíritas renegam alguns dogmas muito caros aos cristãos em geral e aos católicos em particular. O Espiritismo rejeita, por exemplo, a idéia da Santíssima Trindade. Para eles, Deus é Deus, e ninguém mais. Nessa linha, Jesus não seria exatamente Deus (ou mesmo filho de Deus), mas o ser mais elevado que já passeou pelas paragens. Cristo seria, na verdade, o “protótipo moral” do ser humano, um modelo de ser ao qual todos deveriam aspirar a alcançar.

Além de rejeitar a Santíssima Trindade, os espíritas não acreditam na idéia de um “Céu”, ou, mais especificamente, de um “Céu” como aquele idealizado pelos cristãos. Segundo o espiritismo, o “Universo” – aqui entendido no seu sentido lato – compreende planos da existência. Haveria, sob essa ótica, um plano material (este onde nós estamos) e planos espirituais, com diferentes gradações conforme o grau de evolução dos espíritos. E aí que entra a idéia de reencarnação.

De acordo com a doutrina espírita, todos os espíritos foram criados ao mesmo tempo, de maneira uniforme e em igualdade de condições. Destinados que eram a encarnar em corpos materiais, os espíritos começariam “do zero” sua caminhada rumo à evolução. Nessa trajetória, eles encarnariam e reencarnariam sucessivamente, dependendo seu progresso espiritual de sua conduta e de suas ações neste plano da existência. Nesse contexto, os problemas e as más companhias com as quais você cruza durante a vida seriam explicadas em função de acontecimentos em vidas passadas, numa forma de o Universo tentar com que você os supere e possa encarnar na próxima vida com suas pendências existenciais resolvidas.

Uma vez que adota os padrões éticos e morais pregados pelo cristianismo, o Espiritismo traz consigo inúmeras vantagens para as sociedades nas quais ele desponta. Como uma genuína doutrina da paz, o Espiritismo faz com que seus seguidores desenvolvam verdadeiro espírito de amor próximo e tolerem, com uma paciência quase budista, mesmo aquelas pessoas que a maioria preferia esganar.

Entretanto, do ponto de vista estritamente teológico, é difícil encontrar fundamento para enquadrar o Espiritismo como uma doutrina cristã. É dizer: como todo cristão – seja católico, protestante ou neopentecostal – professa a fé na ressurreição de Jesus Cristo, a negação desse credo torna aparentemente incompatível a doutrina kardecista com a pedra fundamental daquilo que se convencionou chamar de Cristianismo.

Obviamente, haverá espíritas que contradigam esta tese, afirmando que a releitura do Evangelho a partir dos olhos do Espiritismo permite que se confira uma nova visão do próprio Jesus Cristo. Todavia, é de se perguntar se tal tentativa não é invalidada de plano pela constatação de que o alicerce sobre o qual se erige conduz a uma conclusão diametralmente oposta à do Novo Testamento. Se Jesus não é o “Filho de Deus” e não foi o único a ressurgir dos mortos, qual o sentido da “Nova Aliança” proposta nas Escrituras?

Tudo considerado, pode-se concluir que o Espiritismo reúne em si características muito próprias, que permitem apartá-la das demais profissões religiosas. Por isso mesmo, as particularidades que assume tornam incompatível sua definição como uma “doutrina cristã”, cuja base repousa na crença quanto à divindade de Jesus Cristo e ao fato de que Ele, morto, ressuscitou para depois subir aos Céus.

Isso não faz com que o Espiritismo seja uma doutrina “pior” do que o Cristianismo, que fique bem claro. Torna-a, apenas, diferente.

É o que se espera que o leitor amigo entenda.

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