Eu sei, eu sei.
2022 ainda está longe no calendário e, considerando a rapidez com que o mundo (e o Brasil) tem mudado nos últimos tempos, dois anos são equivalentes a duas eternidades. Basta lembrar que, há menos de um ano, Trump estava reeleito, Guedes prometia um crescimento espetacular e Corona era apenas uma marca de cerveja. Ninguém em sã consciência, portanto, pode achar possível desenhar cenários minimamente críveis com tanta água ainda por rolar.
De todo modo, traçar projeções e especular sobre o que pode acontecer no biênio que precede as eleições gerais tem sido um dos esportes mais praticados desde que o mundo é mundo (ou desde que o Brasil é Brasil). E é até salutar que assim seja. Afinal, tentar pelo menos definir os lados da arena política ajuda a entender o que eventualmente pode ocorrer e, na melhor das hipóteses, pode permitir que você se prepare para o que está por vir.
Que Bolsonaro será candidato à reeleição, toda a gente já sabe. Com menos de seis meses de mandato, ele jogou fora uma de suas muitas promessas eleitorais, a de que iria acabar com esse famigerado instituto introduzido no país pelo malfadado governo Fernando Henrique, de triste memória. Sentado na cadeira presidencial, ele dispara como favorito, dado que 1/3 da população é cronicamente governista, no matter what (para entender por quê, clique aqui).
Fora isso, desde que a reeleição (comprada) foi introduzida no texto constitucional, não houve caso de presidente que não tenha sido reeleito. Dilma Rousseff – que era Dilma Rousseff – se reelegeu em 2014, em que pesasse a desgraceira completa de seu governo e a corrupção generalizada desvelada pela Operação Lava-Jato. Logo, é no mínimo ingênuo acreditar que Bolsonaro não estará pelo menos no segundo turno das próximas eleições.
Do lado da esquerda, as vias continuam interditadas por ele, sempre ele: Luís Inácio Lula da Silva. Ninguém sabe se o Supremo de fato anulará as condenações impostas pelo ex-juiz Sérgio Moro ao torneiro bissílabo de São Bernardo. Caso isso aconteça, Lula recuperará seus direitos políticos e, se sair candidato, dificilmente não estaria na segunda rodada do pleito, a despeito do imenso desgaste de sua imagem. Enquanto a situação de Lula não se resolver, ninguém dará grandes passos pela zona jacobina do espectro político. Até porque com Lula, o cenário é um. Sem Lula, o cenário é outro, completamente diferente.
A maior expectativa e – por que não dizer? – o maior drama do tabuleiro eleitoral de 2022 encontra-se na centro-direita. Com a extrema-direita inteiramente ocupada por Bolsonaro, sem substituto imediato ao alcance da vista, e a esquerda completamente inviabilizada eleitoralmente (com Lula ou seja lá quem for), a alternativa para quem deseja derrotar o atual inquilino do Planalto na próxima eleição teria de sair, necessariamente, daquele aglomerado disforme que vai da esquerda envergonhada (pode me chamar de “centro-esquerda”), até a direita racional, aquela que sabe usar os talheres e não arrota na mesa.
Mas quem?
Essa é a questão.
Excluam-se, desde logo, os balões de ensaio de Sérgio Moro e Luciano Huck. Além de ambos estarem situados na mesma extrema-direita já devidamente ocupada por Jair Bolsonaro, é difícil imaginar que ambos consigam se viabilizar eleitoralmente em tão pouco tempo.
Pra começar, o ex-todo-poderoso juiz da Lava-Jato exibe o carisma de uma porta e a articulação de um cone. Ademais, Moro dificilmente encontraria uma casa para acolhê-lo, ou, falando o português reto, um partido que o aceitasse como filiado. Depois de seu, digamos, “controverso” histórico como juiz justiceiro, pode-se apostar em tudo, menos que o ex-juiz seja alguém “querido” pelo meio político. E, se tudo isso não bastasse, Moro ainda teria de lidar com as explicações que até hoje não deu sobre a Vaza Jato e ao fato de ter permanecido um ano e meio como ministro da Justiça de um governo que, segundo ele, queria aparelhar a Polícia Federal para proteger a família do presidente.
Tampouco será fácil o caminho de Luciano Huck. Afora as intermináveis dúvidas que assombram o apresentador de TV, sobre jogar “tudo pro alto” e arriscar o rico dinheirinho que ganha como estrela da Globo e garoto-propaganda dos mais inúmeros produtos, Huck ainda teria que: 1) encontrar um partido pra chamar de seu; 2) articular apoio político relevante, atuando numa seara na qual jamais mergulhou; e 3) construir um discurso que permita se desvencilhar de seu histórico ultradireitista para trazê-lo mais ao centro. Se fazer tudo isso já seria difícil para qualquer raposa experimentada da arena política, imagine para um neófito como Huck.
É nessa quadra que um dado curioso surge no horizonte. Nesta semana, o senador Tasso Jereissati deu uma longa entrevista ao Valor, na qual disseca muitos dos nós nos quais estamos metidos e sugere cenários para o ano que vem. Ex-governador por três vezes, em seu segundo mandato no Senado Federal, Tasso é, disparado, um dos políticos mais tarimbados e experientes do país. E é justamente por isso que seu nome poderia desequilibrar uma possível corrida eleitoral.
Cearense de nascimento, Tasso já sairia de cara com a simpatia daquele 1/3 do eleitorado que reside no Nordeste. Empresário de formação, Tasso reúne, a um só tempo, a experiência bem sucedida no setor privado e governos muito bem avaliados no setor público. Não seria difícil para ele recolher apoio no empresariado e até mesmo no mercado financeiro, sempre sedento por governos de tendência liberal e que contenham o mínimo de previsibilidade (matéria-prima que anda em falta, hoje em dia). Inteligente e articulado, Tasso ainda traria consigo o bônus de poder ser acusado de muita coisa, menos de ser “comunista”.
Se uma articulação dessa natureza de fato ocorresse, poderia se esperar que Tasso saísse de cara com o apoio do PSDB, do DEM e do MDB. Em um segundo turno contra Bolsonaro, o PDT de Ciro (que é sua cria política) e até mesmo o PT de Lula (que quase foi vice com ele numa chapa presidencial em 1994) facilmente correriam para o “Galeguim dos óio azul”, como se diz no Ceará. O risco de uma derrota para Bolsonaro, portanto, seria bem real e concreto.
Claro, claro, tudo isso são meras conjecturas e ninguém sabe o que vai ocorrer daqui para o ano que vem. Na entrevista, Tasso não fala em momento algum em candidatura e nem mesmo se sabe se ele quereria de fato enfrentar uma parada encarniçada como essa. Com quatro pontes de safena no coração, é duvidoso até que sua saúde permita algo do gênero. E, como se tudo isso não bastasse, Tasso ainda teria que “furar a fila” no seu próprio PSDB, hoje dominado pelo governador de São Paulo, João Dória (cuja viabilidade eleitoral é, na mais condescendente das avaliações, discutível).
Seja como for, uma eventual candidatura de Tasso Jereissati em 2022 poderia finalmente desarmar essa armadilha eleitoral entre esquerda e extrema-direita em que nos metemos, permitindo que o centro mais racional tomasse conta do debate eleitoral. Mas será que a saída eleitoral de 2022 viria do Ceará?
Aí, só Deus sabe…
Parabéns pela primeira década do blog! Bem sei que não é fácil manter um espaço tão autêntico nestes tempos, dando realmente a cara a tapa. Mas como é necessário!
Vida longa ao blog!
Merci bien, ma cherie. Bissou.
Sólida e profunda análise do cenário político ! Excelente ! Parabéns .
Obrigado, meu amigo. Um abraço.
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