Recordar é viver: “O verdadeiro Custo Brasil”

Mais de dez anos depois, o custo (e a decepção) só aumentou.

É o que você vai entender, lendo.

O verdadeiro Custo Brasil

Publicado originalmente em 5.6.13

Um dos temas mais batidos pela imprensa, pelos políticos e pelas mesas de bar do país é o tal do “Custo Brasil”. No baralho político-econômico nacional, o Custo Brasil faz as vezes de coringa. Os alimentos estão muito caros? Culpa do Custo Brasil. A balança comercial é deficitária? Culpa do Custo Brasil. O país não consegue crescer a taxas asiáticas? Custo Brasil de novo.

O grande problema é que ninguém consegue transformar essa entidade etérea denominada Custo Brasil em algo palpável. Ora se fala na falta de infraestrutura, ora se fala na alta carga tributária. Há ainda quem reclame do excesso de burocracia e do emaranhado normativo para investir e fazer comércio. Ninguém explica, contudo, porque países com menos infraestrutura do que a nossa – como a Índia – e carga tributária infinitamente mais elevada – como a Suécia – não se deparam com semelhantes problemas. Ou, se se deparam, ninguém os embrulha em um só pacote e os transforma na Geni do país.

Curiosamente, um dos maiores problemas do país fica de fora desse embrulho disforme chamado de Custo Brasil. Sim, ninguém nega que a violência é uma grande mazela. Mas são raros os economistas ou políticos dispostos a “precificar” o seu custo. Quanto nós pagamos a mais por cada produto em razão da insegurança reinante no Brasil?

Imagine, por exemplo, uma lojinha de confecções. Antigamente, ela ficava no centro da cidade. Depois de 15 assaltos e ver sua clientela evitar a área por conta da violência, o dono da lojinha tem duas opções: fechar as portas ou se mudar para um shopping. O problema, claro, é que o aluguel de uma loja em um shopping é muito mais caro do que uma loja no centro da cidade. Por quê? Bem, fora a ambientação (ar condicionado, decoração, etc.) e as facilidades (estacionamento, praças de alimentação, etc.), paga-se no shopping pela vigilância armada. Hoje, é possível que este seja o principal fator a atrair a clientela. Sem segurança para andar na rua, ao cidadão comum só resta ir para onde exista gente com armas fazendo a ronda.

Do ponto de vista da manutenção da clientela, o problema está resolvido. Como não existem almoços grátis, o preço do aluguel forçosamente será repassado para o custo das mercadorias. Se antes a lojinha no centro da cidade cobrava R$ 20,00 por uma camisa de malha, a mesma lojinha no shopping cobrará uns R$ 40,00. Do ponto de vista econômico, portanto, a simples mudança de local impactou diretamente o preço final da mercadoria, mesmo sem ser – ao menos em tese – elemento da cadeia produtiva da camisa de malha.

Obviamente, esse é um exemplo banal. Mas é só parar pra pensar: bancos, supermercados e até salões de beleza hoje se sustentam à base de segurança privada. Embora você não perceba de forma imediata o impacto do custo dos vigilantes – nenhum desses estabelecimentos, por razões óbvias, divulga quanto gasta com segurança -, está pagando por eles, seja na forma de tarifas, seja no de preços das estantes ou em quanto você gasta para fazer as unhas. Se não houvesse a necessidade de contratação de segurança privada, cada um desses preços seria proporcionalmente menor.

Além disso, há ainda custos “invisíveis”, representados pelo próprio modo de a sociedade se adaptar ao tamanho da violência que vivencia. Por exemplo: numa cidade que disponha de um razoável sistema de transporte público mas um grande índice de violência, o sujeito certamente preferirá se deslocar com automóvel particular do que de ônibus. Quanto se gasta a mais com a gasolina do carro?

Pra piorar, há ainda os danos indiretos à qualidade de vida do povo. Com menos segurança para usar transporte público, o gasto calórico ordinário de cada dia tende a decrescer. Como a insegurança não permite atividades ao ar livre para compensar a sedentariedade adquirida com o deslocamento por carro, o sujeito tem de pagar por uma academia particular (na qual, obviamente, está incluído o preço da segurança). Quem não pode pagar por uma, tende a engordar. Aumenta-se, assim, o índice de obesidade da população. Uma população mais obesa tende a frequentar mais os hospitais. Consequentemente, aumentam o gasto dos planos de saúde e dos governos com tratamentos médicos.

Por tudo isso, arrisco-me a dizer que, hoje, o principal componente do Custo Brasil é a violência. Sem a resolver, tratar do resto será apenas perfumaria.

E embromação eleitoral, claro.

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