Na comunidade diplomática, costuma-se brincar dizendo que apenas três coisas são certas na vida: a morte, os impostos e o conflito entre judeus e palestinos. Há um quê de humor negro nessa troça, mas a verdade é que sua triste inexorabilidade justifica-se ano após ano, com o prosseguir indefinido do conflito entre Israel e o Hamas.
Não que haja alguma novidade nisso, muito pelo contrário. O que há de mais deprimente nessa história é enxergar um cenário de tragédia sendo repetido à exaustão, sem que se consiga enxergar saída para o imbróglio. É como se você ficasse preso para sempre dentro do cinema, sendo obrigado a assistir a um filme daqueles de fazer chorar a alma em looping infinito. Não existe nada que se possa fazer numa situação assim.
Mas o que faz esta crise diferente das demais?
Do ponto de vista “causal”, há algumas particularidades, como de hábito. Israel encontrava-se em um processo de “normalização de relações” com a Arábia Saudita. Aos árabes – provavelmente a maior potência econômica da região, certamente a maior potência petrolífera do mundo -, interessa deixar de ser encarado como numa nação exótica, cujo líder manda esquartejar adversários dentro de embaixadas. Aos israelenses, interessa diminuir a hostilidade entre os vizinhos, de maneira a isolar o país que mais verdadeiramente apresenta ameaça à sua existência: o Irã. O fato de a Arábia Saudita e o Irã (que não faz parte do tal “mundo árabe”) serem adversários históricos ajudou bastante nesse processo de distensionamento.
Faltou, claro, combinar com os russos. Ou, no caso, com os aliados dos russos, os próprios iranianos. Eles, que financiam desde sempre o Hamas, não iriam ficar de braços cruzados assistindo a dois de seus maiores inimigos se unirem – não a ponto de se tornarem “amigos”, mas pelo menos para alcançar uma neutralidade recíproca -, fato que isolaria a nação persa ainda mais perante o restante do mundo. Daí para concluir que o Irã teve não um dedo, mas a mão inteira nos ataques da semana passada, é apenas um pulo.
Com os atos manifestamente terroristas praticados pelo Hamas contra a população civil israelense, o frágil esboço de normalização de relações entre Arábia Saudita e Israel foi pro espaço. Pior. Reagindo a seu modo (com evidente desproporção de forças), os israelenses se arriscam a repetir o roteiro já encenado no palco da diplomacia mundial uma centena de vezes: os palestinos atacam, os israelenses contra-atacam numa escala infinitamente maior, e aí o apoio recebido pelo Israel no começo do conflito começa a se esvair frente à crise humanitária que se segue à crise.
Assim como já foi explicado aqui numa série de cinco posts há mais de dez anos (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), não se trata de um filme no qual se possa distinguir entre mocinhos e bandidos. Olhando-se em retrospectiva, ninguém é santo nessa história. E por mais que sejam absolutamente injustificáveis os atos terroristas praticados pelo Hamas, tampouco dá pra aceitar calado a transformação da Faixa de Gaza numa variante de gueto, na qual a população encontra-se confinada, sem acesso ao que há de mais básico para a sobrevivência humana.
A única coisa certa é que a “política “de Benjamin Netanyahu para “lidar” com a causa palestina fracassou, e fracassou miseravelmente. Se ele algum dia pensou que poderia confinar para sempre 2,2 milhões de palestinos numa faixa de terra menor do que a cidade de Salvador, os atos da semana passada mostraram que isso é simplesmente impossível. Só existe uma saída definitiva para essa crise: a criação de um estado palestino, soberano e autossustentável, que possa ser responsabilizado e cujo governo possa responsabilizar os seus próprios governados. Agora, no entanto, esse sonho está ainda mais distante.
E não há nenhuma perspectiva de que ele possa se tornar real um dia….