Como combater o crime organizado? ou Uma proposta concreta – Parte VII

Que há uma crise de segurança pública no Brasil, isso só as avestruzes não vêem. Em toda a parte, onde quer que se vá, não há pessoa que não comece a enumeração dos grandes problemas nacionais colocando no topo de suas preocupações a violência urbana. Esse, aliás, é grande “custo Brasil”, conforme já se escreveu aqui certa feita.

A questão, aqui, não é reconhecer que o país vive, há pelo menos duas décadas, uma guerra civil não declarada entre aqueles que não desejam cometer mal ao próximo – o bolsonarismo acabou para sempre com a expressão “cidadão de bem” – e aqueles que, por falta de oportunidade ou de caráter, resolvem seguir o caminho do crime. A questão é saber o que é possível fazer para remediar o problema. Vai aqui, portanto, uma singela sugestão, mas com grande potencial, de fazer com que as coisas comecem a melhorar um pouquinho.

Como todo mundo sabe, o território brasileiro hoje está dividido entre facções rivais. PCC, Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, a lista é grande e assustadoramente diversificada. Aos, digamos, “tradicionais” criminosos, soma-se agora a galera das milícias, uma variante do esquema secular da máfia italiana, que vende sua “proteção” contra os crimes que ela mesma comete. Boa parte dos crimes cometidos por essa gente tem por base dívidas: dívidas de drogas, dívidas de jogo, dívidas de agiotagem e até dívidas de “serviços” prestados pela bandidagem, como o famoso “Gatonet”. Esses homicídios respondem por boa parte dos assassinatos que engrossam as estatísticas nacionais de mortes violentas.

Pois bem. Tal como está desenhado o sistema hoje, os homicídios praticados com intenção de cobrar dívidas ilegais são tratados como homicídios “comuns”. À falta de uma regulamentação legal mais precisa, os facínoras responsáveis por esse tipo de assassinato irão responder pelos seus delitos no tribunal do júri (art. 5º, inc. XXXVIII, da CF/88) (para entender como funciona o tribunal do júri, clique aqui).

“E daí?”

Daí que, em um julgamento do júri, é muito mais fácil para um criminoso desse naipe escapar. Os jurados são pessoas comuns, assim como eu e você, escolhidos dentre os cidadãos da localidade. Numa cidade pequena, não é raro encontrar casos de jurados compondo júris de réus que eles mesmos já conhecem, nem que seja de vista. Pergunta: quem, nessas circunstâncias, estaria disposto a apontar o dedo para o assassino?

Mesmo em cidades maiores, onde em tese esse risco é menor, ainda assim não é desprezível a hipótese de termos jurados se sentindo intimados ao ver sentado no banco dos réus um matador de uma organização criminosa qualquer. Com a queda de credibilidade do Estado em prover segurança para seus cidadãos, quem se arriscará a comprar inimizade com um reconhecido facínora?

Para mitigar esse problema, uma solução é alterar a legislação de modo a modificar a competência para julgamento desse tipo de crime. Uma vez que a própria instituição do júri é cláusula pétrea, não podendo ser alterada sequer por emenda constitucional (art. 60, §4º, CF/88), a única maneira é estabelecer um novo tipo penal específico, que afastasse a competência do tribunal do júri para essa modalidade de delito.

“Como?”

Simples. Reconhecendo-se a obviedade de que, ao matar alguém por cobrança de dívida, não se está querendo como fim último do crime a morte do sujeito, o Congresso poderia inserir no nosso Código Penal uma nova modalidade de extorsão: a extorsão seguida de morte.

Como se sabe, a extorsão é tipificada como o delito consistente em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa” (Código Penal, art. 158). Curiosamente, apesar de haver, por exemplo, um artigo específico para tratar da extorsão mediante sequestro (Código Penal, art. 159), não há sequer menção em qualquer parte, nem mesmo em um parágrafo desses artigos, à hipótese em que à extorsão se sucede a morte do extorquido.

Ao introduzir esse novo tipo penal, estaria reconhecido que o principal objetivo nessa espécie de crime é o patrimônio do ofendido, não a sua vida. Afinal, ao menos em tese, se o sujeito pagar a dívida com os criminosos, ele não seria morto. Dessa forma, a competência para julgamento desses crimes sairia do tribunal do júri e iria para os juízes singulares, onde o risco de uma condenação pesada é muito mais concreto.

E nem se venha alegar que isso constituiria eventual burla à norma constitucional que estabelece a competência do júri. Desde sempre se reconhece que o roubo seguido de morte constitui-se fundamentalmente em um crime contra o patrimônio, não um crime contra a vida. Não por acaso, a primeira missão de todo advogado de latrocida é tentar descaracterizar o roubo, para tentar levar o julgamento do juiz singular para o tribunal do júri.

Os críticos contumazes argumentarão que uma simples mudança de lei não vai alterar nada. Pode ser. Entretanto, não fazer nada e deixar tudo ao Deus dará, como está hoje, tampouco é uma solução aceitável. Ou o Brasil acorda para o combate ao crime organizado, ou caminharemos a passos largos no processo de “Mexicanização” do país.

É esperar pra ver.

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