Lá se vão mais de oito anos desde que se escreveu neste espaço sobre a “Democracia como convicção”. Em um post que analisava as jornadas de junho de 2013, o Autor reafirmava suas convicções democráticas diante de uma massa que, inconformada com o desgoverno de Dilma Rousseff, deixava desfraldar em suas franjas cartazes como “Intervenção Militar Constitucional”, “Volta do AI-5” e outras baboseiras do gênero. Naquela altura, já se defendia aqui o básico: “Democracia é antes de tudo responsabilidade”. Parece até que o Blog estava profetizando.
Oito anos, um impeachment e duas eleições presidenciais depois, o debate sobre a democracia volta à tona. Em circunstâncias muito piores e mais graves, não só pelo retorno dos militares ao centro do poder, mas também porque o flagelo econômico brasileiro piorou deveras desde então, fato é que discutir a garantia das franquias democráticas nunca foi tão importante para o Brasil quanto neste ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2021.
Façamos de conta, por um instante, que a democracia não configure um valor em si mesma e que seja possível operar uma escolha válida entre um regime democrático e um regime ditatorial. Numa comparação absolutamente pragmática, desprovida de qualquer conteúdo ético ou moral, a pergunta é: por que escolher viver numa democracia no lugar de uma ditadura?
Para uma população castigada pela classe de políticos que o Brasil ostenta, a pergunta nem parece assim tão hedionda. Afinal, desde pelo menos a proclamação da República, as idas e vindas dos regimes democráticos foram quase todas marcadas por corrupção e desvios. Deixando-se de lado a República Velha, sobre a qual pendem dúvidas razoáveis acerca do enquadramento (se configurava ou não uma espécie de ditadura), todos os demais períodos democráticos experimentaram, em maior ou menor grau, escândalos de corrupção.
JK, por exemplo, foi literalmente “varrido” da presidência por Jânio Quadros, tal era a corrupção de seu governo. João Goulart também não deixou por menos, e aí veio o golpe de 64. Na redemocratização, José Sarney – lugar-tenente da ditadura – tornou-se ícone da corrupção, especialmente depois de ter ordenado ao seu Ministro das Comunicações, o “impoluto” Antônio Carlos Magalhães, que distribuísse concessões de rádio e TV para assegurar-lhe 5 anos de mandato. Fernando Collor foi o que foi. Fernando Henrique traz nas costas o caso Sivam, a compra da emenda da reeleição e dezenas de outros escândalos menores. De Lula em diante, há os governos petistas, cujos “resultados” nessa área toda a gente conhece.
Mas no quesito corrupção, contudo, a ditadura não leva lá grande vantagem. Na Ditadura Vargas, por exemplo, a corrupção comia solta, mesmo com o Congresso fechado por oito anos (logo, sem parlamentares em quem colocar a culpa). Na Ditadura Militar, então, a coisa não melhorou nada. Pelo contrário. Além dos escândalos de corrupção envolvendo os próprios militares (vide, p. ex., o caso dos “coronéis dos motéis”), foi entre 1964 e 1985 que gente como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães fizeram fama e fortuna. Tudo, claro, com a benção dos ditadores de plantão.
Se não é na corrupção que essa disputa vai se resolver, o desempate corre por conta dos “resultados”. É dizer: para a economia como um todo, é melhor viver em um ambiente democrático ou em regime ditatorial?
“Dinheiro não tem ideologia”, eis a primeira premissa de quem se aventura a estudar economia. Fato é que, independentemente do regime, o capital sempre encontra uma forma de se fazer multiplicar. Salvo em regimes como o da Coréia do Norte, o capitalismo sempre consegue dar a volta nos torniquetes políticos e produzir riqueza. A China comunista, que pratica um dos capitalismos mais selvagens de todos os tempos, está aí pra quem quiser tirar a dúvida.
O grande problema das ditaduras para os agentes econômicos diz respeito à insegurança política e jurídica que elas costumam trazer. Numa democracia, as transições de poder dão-se de maneira suave, através de eleições e com a garantia aos vencidos de que poderão tentar retornar no próximo pleito. Numa ditadura, as transições ocorrem de maneira caótica, em geral através de revoluções. Quando não descambam em guerra civil permanente (o pior dos mundos), às sedições normalmente se segue um período de expurgo, no qual os colaboradores do regime anterior são perseguidos e têm seus bens confiscados pelo novo regime. Não há, portanto, segurança para ninguém.
Para além desse fato, numa ditadura o sistema legal existe apenas para inglês ver. Todas as leis, decisões e regramentos estão sujeitos à boa vontade do grupo que está no poder. Na Rússia de Vladimir Putin, por exemplo, bilionários do petróleo foram presos e tiveram suas empresas tomadas pelo Estado simplesmente porque se mostraram “salientes” ao todo-poderoso novo Czar da Rússia. Os que não foram presos ou aderiram ao regime ou se auto-exilaram (comprando até times ingleses, em alguns casos). Nem mesmo todo o dinheiro que essa galera ostentava foi suficiente para garantir a liberdade deles, quanto mais garantir a continuidade de seus negócios.
É por todas essas razões, portanto, que, no longo prazo, a democracia sempre tende a demonstrar resultados melhores do que as ditaduras. Para além do evidente fato de que progresso nenhum justifica a supressão das liberdades, somente através de um sistema democrático se pode alcançar estabilidade e segurança jurídica, condições indispensáveis para que os agentes econômicos possam empreender em paz e com sucesso.
Quase uma década depois, o mote sobrevive. E com ainda mais razão. Democracia deve ser uma convicção. Eis o espírito que deve governar a Nação.