O retorno da PEC da Bengala, ou O casuísmo travestido de reforma

Só faltava essa. Não bastasse os problemas ordinários do cotidiano nacional, potencializados pela eleição mais acirrada do último quartel de século, agora resolveram ressuscitar a insepulta proposta de extensão da idade-limite para aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores. Ironicamente denominada de “PEC da Bengala”, o aumento de 70 para 75 anos para a expulsória dos juízes do STF, do STJ, do STM e do TST traz consigo a esperteza em forma de casuísmo.

Como todo mundo sabe, a presidente Dilma foi reeleita. Nos próximos quatro anos, a ela caberá nomear mais 5 juízes do STF. Isso sem contar a possibilidade de morte ou aposentadoria precoce de algum ministro. Dessa maneira, ao menos 10 dos 11 ministros da Corte terão sido nomeados por governos petistas.

Não se trata de tema novo. Aqui mesmo no Blog o assunto já foi objeto de um post específico. À época, discutia-se a aposentadoria do ministro Cézar Peluso. No meio do julgamento do Mensalão, muita gente boa reclamou, sem sequer saber qual seria o voto de Peluso no caso, que a expulsória privou o país de um julgador correto, que desceria a lenha nos mensaleiros.

Agora, a PEC da Bengala volta à tona em meio a receios de que o Supremo Tribunal Federal passe por um processo “bolivarianização”. Foi, por exemplo, o que disse o ministro Gilmar Mendes. Com ela, tal risco seria “afastado”, pois todas as aposentadorias previstas para os próximos quatro anos seriam “prorrogadas” para o mandato do presidente seguinte.

Por ordem de aparição, a proposta contém vários sustos.

Pra começo de conversa, qualquer discussão séria sobre o assunto não pode partir do pressuposto de que o Brasil é a Venezuela. Como anotou Elio Gaspari em sua coluna de hoje, as nomeações dos governos petistas não foram nem melhores nem piores do que as dos governos que os antecederam. Foram exatamente na média. Salvo a possibilidade de alguém cometer a sandice de acusar juízes como Luís Fux e Teori Zavascki de “bolivarianos” – ambos nomeados por Dilma Roussef -, o argumento não se sustenta.

Fora isso, o que justifica estender a idade para aposentadoria somente para os ministros dos tribunais superiores? O que há de mais louvável na expulsória é a sua democracia. Ela vale para todos, indistintamente: do gari ao auditor da Receita, da auxiliar de enfermagem ao juiz de carreira. Se de fato houve alterações radicais na estrutura etária da população brasileira, a mudança só faria sentido se fosse estendida a todos os servidores, não somente a uma casta de “iluminados”.

Noves fora a inexistência de argumento razoável a sustentar a discriminação em favor dos juízes de tribunais superiores, a medida traz consigo um indisfarçável caráter golpista. Com todos os seus defeitos, Dilma foi eleita pela maioria do povo. E, dentro das prerrogativas institucionais que lhe foram outorgadas pelo mandato popular, está a de nomear os próximos cinco ministros do STF.

Em outras palavras, se a maioria quis que Dilma se elegesse presidente, comprou no pacote uma Corte composta por 10 ministros indicados por governos do PT. Querer agora remover tal prerrogativa sob o pretexto de uma improvável “bolivarianização” da Corte não é senão manifesto exercício de casuísmo.

Se isso tudo já não fosse o bastante, os defensores da medida não conseguem responder a uma pergunta singela: e se daqui a quatro anos o novo presidente também for um petista? Terão mudado a Constituição para esterilizar o “risco” de instrumentalização do STF e, no final, o resultado será o mesmo. E com uma agravante: os ministros nomeados pelo próximo presidente terão cinco anos adicionais de mandato pela frente.

Pesando prós e contras, não resta dúvida de que a PEC da Bengala traz consigo muito mais prejuízos do que os supostos benefícios que adviriam da medida. No fundo, no fundo, a proposta não passa de uma esperteza para beneficiar um punhado de sexagenários com encontro marcado com o pijama. O Brasil ficará muito melhor se o Congresso lhe der a única destinação que merece: a lata do lixo.

Publicidade
Esse post foi publicado em Direito e marcado , , , . Guardar link permanente.

2 respostas para O retorno da PEC da Bengala, ou O casuísmo travestido de reforma

  1. Pingback: Supremo imbróglio, ou Pela fixação de mandatos para as Supremas Cortes | Dando a cara a tapa

  2. Pingback: A “PEC da Vingança”, ou Muito barulho por nada | Dando a cara a tapa

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.