Ontem, foi divulgada mais uma pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais deste ano. Como sempre acontece quando uma pesquisa assim sai, quem caiu reclama, quem subiu comemora, e quem ficou na mesma diz que tudo vai mudar depois que a campanha começar pra valer. O roteiro é tão enfadonhamente previsível que você pode aplicá-lo a qualquer pesquisa, de qualquer cargo, trocando por quem quer que seja os candidatos no pleito.
Até aí, tudo bem. Faz parte do jogo político-eleitoral querer capitalizar os pequenos sucessos e diminuir os fracassos miúdos. Já dizia Bismarck que nunca se mente tanto quanto depois de uma caçada, durante uma guerra e antes das eleições. A questão, contudo, vai além do rame-rame político do dia-a-dia. Até que ponto deve acreditar-se em pesquisas? Ou, indo mais fundo, até que ponto as pesquisas eleitorais contribuem, positiva ou negativamente, para o processo democrático?
Que as pesquisas costumeiramente erram, e erram feio, todo mundo sabe. São inúmeros os casos de variações dramáticas entre a projeção realizada na pesquisa e o resultado final das urnas, algumas com mais de 10 pontos percentuais de distância. Na eleição presidencial de 2006, por exemplo, a última pesquisa CNI/Ibope antes do 1º turno indicava Lula com 50% dos votos válidos, com Geraldo Alckmin amealhando somente 29%. Abertas as urnas, Lula obteve 48,61% dos votos (dentro da margem de erro), e Alckmin levou a disputa para o 2º turno com inacreditáveis 41,64%, uma variação bizarra de 12%.
Em defesa dos institutos de pesquisa, pode-se dizer que todos erram de forma isonômica. Quer dizer: quando um erra, todos erram. No mesmo caso das eleições de 2006, o Sensus dava Lula eleito no 1º turno com 51,1% dos votos, enquanto Alckmin ostentava apenas 27,5%. Uma diferença colossal de quase 14 pontos percentuais entre a medição da pesquisa e o resultado efetivo das urnas.
Não que haja algum tipo de conspiração por trás dos erros dos institutos de pesquisa. Muito pelo contrário. Todos eles vivem de uma só matéria-prima: credibilidade. Quando um erro desse tamanho acontece, a confiança nos resultados aferidos diminui de forma drástica, o que impacta a quantidade de clientes que irão buscar os seus serviços após as eleições, como lojas e empresas. São estes serviços que constituem o grosso das suas receitas. Levando-se em consideração que nenhum deles tem tendência suicida, pode-se presumir que, quando erram, erram involuntariamente, e não devido a algum interesse escuso por trás do resultado da pesquisa.
Mais do que a qualidade da aferição, importa mesmo saber é até que ponto o eleitor deve guiar sua preferência de sufrágio de acordo com o resultado espelhado numa pesquisa eleitoral. Em outras palavras, vale a pena decidir em quem eu vou votar segundo a posição que meu candidato ocupe nas pesquisas?
É evidente que não. O raciocínio da utilidade das pesquisas poderia ser válido até antes de 1964, quando as eleições presidenciais no país eram decididas por maioria simples, em turno único. Nesse caso, pode fazer diferença votar em um candidato que não é exatamente o da minha preferência apenas para impedir que outro candidato que eu deteste assuma.
No entanto, desde a Constituição de 88, a regra é a da maioria absoluta para eleger-se a cargos do Executivo. Por isso, se alguém não consegue 50% +1 dos votos válidos no primeiro turno, reúnem-se os dois candidatos mais votados e leva-se ao segundo turno. Por imperativo matemático, quem for eleito necessariamente terá a maior absoluta dos votos válidos.
Em razão disso, não faz mais sentido guiar sua preferência eleitoral de acordo com as pesquisas. No primeiro turno, vota-se no candidato com o qual você mais se identifica. Se ele conseguir a maioria dos votos válidos logo de cara, está eleito. Se ficar entre os dois mais bem votados, eu posso repetir o voto nele no segundo turno. Se ele não for para o segundo turno, paciência; escolho a menos pior das duas opções e sigo com a vida.
O que não dá pra engolir é que, passado mais de um quarto de século desde que passamos a viver nesse sistema, as pesquisas ainda tenham tanta relevância no panorama eleitoral. Houve – e ainda há – casos esdrúxulos de candidaturas abortadas simplesmente porque o sujeito patinava nas pesquisas a seis meses da eleição. Seis meses! Em menos tempo que isso, já ocorreram viradas históricas. Pior. Muita gente já começou campanha com menos de 1% dos votos e, no final, acabou eleita.
Por isso mesmo, os candidatos deveriam desopilar dessa história de pesquisa e dar-lhes o devido valor: nenhum. O Brasil e a democracia agradeceriam.
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