A boçalidade brasileira

Não é segredo pra ninguém que o brasileiro é um sujeito discriminado no mundo dito civilizado. Seja nos Estados Unidos, na França ou na Inglaterra, o camarada tupiniquim é quase sempre visto com aquele olhar de esguelha, como se todo brasileiro fosse malandro ou candidato potencial a imigrante ilegal.

Há, é claro, exceções à regra. Mas mesmo as exceções não se amoldam propriamente ao tratamento dispensado para turistas de países do primeiro mundo. Quando muito, o brasileiro é exaltado como um sujeito brincalhão e bom de bola, uma espécie de curiosidade exótica vinda dos trópicos, mas nunca como um sujeito distinto, digno de merecer o respeito alheio. Quanto a isso, acredito que esteja todo mundo mais ou menos de acordo.

O problema é que o brasileiro em geral não costuma olhar para o próprio umbigo e ver que dispensa aos cidadãos de países supostamente mais atrasados tratamento semelhante ao que recebe dos habitantes de países mais ricos. Estranhamente, é como se o complexo de inferioridade que o brasileiro cultiva em relação aos países do primeiro mundo se transformasse em complexo de superioridade quando o assunto são outros países do terceiro mundo.

Veja-se, por exemplo, o caso da América Latina. Há gente que adora exaltar e criticar – não sem certa razão – o atraso do Brasil em relação a países como a Suíça ou o Reino Unido. Mas, curiosamente, esse mesmo cidadão acredita ser o Brasil a última bolacha do pacote quando o assunto é seus vizinhos de continente. Passada a fronteira, só haveria um mar indistinguível de hispanohablantes, aos quais boa parte se refere com a alcunha depreciativa de cucarachas.

Para esse cidadão, a Colômbia não é nada além do que o maior fornecedor de cocaína para os Estados Unidos. O Chile, uma faixa irrelevante de terra espremida entre a Cordilheira dos Andes e o Pacífico. O Peru, um lugar onde os incas construíram Machu Pichu. E a Argentina, um lugar de ególatras recalcados, que pensam ser Maradona maior do que o Pelé.

O raciocínio que conduz a esse nível de boçalidade possivelmente decorre do gigantismo natural do Brasil. Maior país da América Latina, maior economia da região, maior população deste lado ao sul do Equador. Mas a verdade é que nem só de dimensões continentais se faz um país.

Em relação ao IDH, por exemplo, dos países citados, o Brasil perde para quase todos. Ganha só da Colômbia. Ainda assim, por míseras duas posições, circunstância que está longe de justificar o desdém com o qual se olha o vizinho. O mesmo vale para a renda per capita.

Em analfabetismo, então, a comparação é realmente vexatória (para nós). Somos o penúltimo país da América Latina, à frente apenas da Bolívia. Só para se ter uma idéia, o percentual de analfabetos aqui é quatro vezes maior do que a Argentina, tão desprezada pelos nacionais por conta do ego inflado de seus cidadãos, e duas vezes maior do que o do Paraguai, país que muitos brasileiros reduzem à condição de antro da pirataria mundial.

Isso tudo sem falar, obviamente, nos níveis de violência. Salvo a Venezuela, que está indo pelo ralo depois de 15 anos de chavismo, nenhum vizinho brasileiro exibe índices de criminalidade tão absurdos como os que temos por estas bandas.  A boçalidade brasileira para com seus vizinhos é, portanto, não somente uma manifestação rude de preconceito, mas uma ridícula forma de auto-engano.

A verdade – é triste dizer – é que o Brasil ainda tem de comer muito feijão para pelo menos sentar à mesma mesa que seus vizinhos em condições de igualdade. Enganar-se pensando que é o maioral do continente não vai contribuir em nada para superar essa condição.

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3 respostas para A boçalidade brasileira

  1. Mourão disse:

    Será que você não exagerou excessivamente? Você mesmo, tão viajado, já foi vítima de tanto preconceito na Europa ou nos EUA? Será mesmo que entre a população brasileira existe mesmo esse sentimento geral de tanta superioridade, até mesmo no futebol? Será que isso não é passado, o do tal do Brasil potência ? Agora, com certeza absoluta, o Brasil tem mais força política que os demais que você citou, apesar das comparações desfavoráveis quanto à IDH, ah, isso tem. Da mesma forma que a economia e comércio são bem maiores, que a diversificação produtiva nem se fala, que geograficamente o País tem muito mais centros dinâmicos que os outros… Basta você sair de Buenos Aires, Santiago Montevidéu que bem poderá avaliar que o Brasil não precisa comer feijão para ser mais importante, embora nossos déficits educacionais, de distribuição de renda e segurança sejam ,de fato, vergonhosos….. E foram bem mais até bem pouco.

    • arthurmaximus disse:

      Acho que não exagerei, Comandante. Eu já fui vítima de preconceito na Europa e nos Estados Unidos. Poucas vezes, é verdade, mas me compadeço de quem passou por experiência semelhante. Minha bronca é ver que tanta gente no Brasil pensa da mesma forma que os europeus e os americanos em relação a nós quando o assunto são os nossos vizinhos sul-americanos. Um abraço.

  2. Sergio disse:

    A cultura do brasileiro em geral é ser boçal ,não temos bons exemplos em nada aqui ,não temos uma cultura própria, somos um caldeirão étnico e cultural onde cada um pensa e age como bem entende,onde as pessoas não sabem o que é ética e respeito, assim é o Brasil ,terra da diversidade invertida .

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