Os gladiadores do terceiro milênio

Sair em recesso é sempre um mar de rosas, mas tem lá seus inconvenientes. Para um blogueiro, por exemplo, significa perder o passo e, conseqüentemente, a oportunidade de analisar um fato com maior interesse do público. Assim, toda vez que a volta ao batente exige, deve-se retomar alguns assuntos que o bom senso recomendaria que fossem analisados no fragor da hora, mas que, posto sem o ar quente da notícia saída do forno, ainda demonstram potencial para a análise. Nesse caso, impõe-se a fratura de Anderson Silva na tentativa frustrada de revanche contra Chris Weidman.

Não faz muito tempo, o sempre atormentado Galvão Bueno fora designado para narrar as lutas de UFC, MMA e outra sigla qualquer que signifique pancadaria. Muita gente deu risada quando Galvão chamou os lutadores de “gladiadores do terceiro milênio”. O narrador da Globo certamente não tinha essa intenção, mas, sem querer, foi historicamente preciso na definição.

Mesmo quem nunca estudou história entende o conceito de gladiador, seja pelo senso comum, seja por ter assistido ao filme homônimo estrelado por Russell Crowe. O termo designava um escravo treinado para o combate. Sua missão era uma só: ser jogado em uma arena com o propósito de entreter a malta.

Postos para combater contra feras ou contra outros do gênero, os gladiadores só deixavam o recinto de duas maneiras: vitoriosos ou mortos. Aqueles que, mesmo vencedores, encontravam-se feridos ou incapacitados para o combate posterior, tinham o mesmo destino dos vencidos: a morte. Seu auge teve lugar no primeiro século da Era Cristã, quando vigorava em Roma a ainda hoje celebrada e venerada política do pão e circo (panis et circensis), exercida com absoluto descaramento por políticos de todos os matizes. Embora não se possa atribuir aos organizadores do UFC qualquer caráter político, o que se tem hoje não é muito diferente do que acontecia em Roma há dois milênios.

Do ponto de vista estritamente técnico, MMA e UFC não são esporte. Como bem observou Ricardo Melo, não se pode chamar de esportivo um evento cujo “objetivo maior, quando não único e exclusivo” é um só: “destruir fisicamente o adversário na base da porradaria desenfreada, com chutes, pontapés, socos e outros golpes igualmente ‘refinados'”. Ao contrário do futebol, do vôlei ou do basquete, coisas como a quebra da perna de um adversário não são exatamente “acidentes”, mas antes um objetivo.

Também como analisou Ricardo Melo, é no mínimo um contrassenso a lei estabelecer como contravenção a promoção de rinhas de galo e deixar no campo da licitude a pancadaria exercida por seres humanos. É dizer: lutar em uma arena até a morte pode, desde que o sujeito não seja um galo.

Obviamente, nada disso aconteceria se não houvesse tanta gente interessada por trás. Culpados, mesmos, não são os organizadores do UFC e do MMA ou as emissoras de TV, que lucram os tubos com a divulgação desses “eventos”. Culpados são aqueles que dão audiência a semelhante espetáculo de violação de dignidade humana. Vivo, Darwin se daria conta de que sua teoria é uma grande bobagem. Em determinados lugares do globo, o ser humano não está evoluindo, mas andando pra trás.

Galvão estava certo:os lutadores de UFC e MMA são verdadeiros gladiadores; a prova viva de que voltamos 2000 anos no tempo.

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3 respostas para Os gladiadores do terceiro milênio

  1. Ana O. disse:

    Concordo. Não se deve dar audiência a esse tipo de “espetáculo”.

  2. Marcos disse:

    Discordo, MMA é um esporte sim. Comparar os atletas com gladiadores foi ridículo, algumas pessoas não aguentam assistir e se sentem incomodadas, para essas apenas não assistam, não vejo problema algum em relação a “violência” nessa modalidade. Quanto a questão do pão e circo, acho que hoje as novelas da globo e outros besteiras são mais efetivos que um esporte dito como violento. Outra análise mal feita foi em relação a sociedade das fases da República e Império Romano que estaria mais acostumada ao ver violência e sangue(dado as constantes guerras) do que a sociedade de hoje acostumada com a calmaria. Acredito que muitas famílias brasileiras repudiam o esporte MMA, porém continuo sem entender o porquê dessa aversão, como se realmente pessoas fossem galos e estivessem ali contra a vontade própria, das mesma forma quem assiste, basta mudar de canal e ir ver malhação.

    • Joao Pedro Vasconcellos Souza disse:

      Concordo plenamente com você, Marcos. O texto é preconceituoso com todos os ensinamentos e práticas ao redor do mundo, nos esportes de luta.

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