A praga do politicamente correto – Parte III: o assalto à língua portuguesa

Tema recorrente neste espaço é a denúncia contra a pausterização do mundo, isto é, à tentativa (mal) disfarçada de querer impor aos outros “valores” sociais e de justiça que uma minoria bem articulada entende como “corretos”. A praga do “politicamente correto” ataca em várias frentes, esmagando qualquer tentativa de “subversão” da “ordem” vigente a partir de uma tática muito conhecida: o patrulhamento.

A mais recente frente dos que pretendem transformar o universo infinito de cores da humanidade em um planeta “tom pastel” é o assalto à língua portuguesa. Palavras ordinariamente utilizadas pela malta como expressão simples da comunicação adquirem conotação pejorativa. Sob esse ponto de vista, quando o sujeito pronuncia determinado vocábulo, não está tentando passar uma imagem ou uma idéia, mas simplesmente disseminando uma forma de preconceito.

Os exemplos são vários.

De cara, a velha e boa conhecida “favela”. No Rio de Janeiro de meado do século XX, o Morro da Favela passou a abrigar os pobres expulsos da Zona Sul pela especulação imobiliária. O ajuntamento de construções “populares toscamente construídas (por via de regra em morros)” (Aurélio Buarque de Holanda) acabou se transformando no símbolo do desastre da política habitacional brasileira. Mais do que nenhum outro, o termo “favela” representa, a um só tempo, o descaso de todos os governos e a precariedade da vida que se leva nesses lugares.

No entanto, sabe-se lá por quê, falar “favela” tornou-se algo proibido. É como se o sujeito que pronunciasse a palavra fosse algum tipo de demófobo, com ojeriza a pobre. Por isso, criou-se uma “alternativa” ao nome: “aglomerado subnormal”, expressão que, em si, não quer dizer nada.

Na mesma linha do “aglomerado subnormal”, está o “afrodescendente”. Substituto quase natural do “negro”, o “afrodescendente” espalhou-se de forma quase irremediável por todos os estratos sociais. Hoje, falar “negro” é quase como assinar uma declaração confessa de racista. Como se o preconceito pudesse desaparecer simplesmente se trocando a palavra utilizada para identificar determinado grupo étnico.

Fora o besteirol farisaísta, ignora-se que o termo “negro” designa da forma mais precisa possível “o indivíduo de etnia ou raça negra” (Aurélio Buarque de Holanda). Por outro lado, o “afrodescendente” identifica tão-somente o sujeito originário do continente africano; não diz nada quanto à etnia do sujeito. A menos que se queira dizer que todo mundo que nasce na África é negro, o termo encerra mais do que uma imprecisão. Encerra um erro preconceituoso.

A coisa é tão grave que até mesmo designações jurídicas vêm sendo afetadas por essa praga. O outrora “menor infrator” agora tornou-se um “menor em conflito com a lei”. “Em conflito com a lei” está alguém que postula sua declaração de inconstitucionalidade. Menor de idade que transgride algum preceito legal se transforma “naquele que infringe”. E o que é “infringir”, senão “violar, quebrantar, transgredir, postergar, desrespeitar” (Aurélio Buarque de Holanda)?

Por isso, vacine-se contra esta praga, lembrando que o respeito não está nas palavras que você usa, mas nas condutas que pratica.

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