Já há algum tempo, li no Blog do Josias um texto que me tocou muito. Trata-se de um texto atemporal, especialmente em se tratando de Brasil. A cada dois anos, renova-se a juventude do escrito. De tal modo que, mesmo movido pela busca incessante da novidade, vejo-me forçado a revisitá-lo sempre que as eleições se aproximam. Fugindo das características deste espaço, que sempre renegou a hipótese de copiar e colar notícias ou artigos publicados na grande imprensa, creio que esta é uma boa oportunidade para abrir exceção à regra. O título do texto é: “A crise é você”.
Escrito para o eleitor paulista, o artigo se aplica a qualquer cidadão brasileiro, seja de qual cidade for. Em resumo, o texto é um manifesto contra a desfaçatez, o cinismo, a indiferença que faz de nós, brasileiros, um povo permanentemente insatisfeito com a classe política, como se a culpa por eles serem o que são fosse deles, e não nossa.
Inconformado por natureza, anarquista por opção, este que vos escreve recomenda aos 23 leitores deste espaço que o leiam com atenção. Lembre-se: no próximo domingo, estarão em jogo os próximos quatro anos de sua vida. Não os jogue fora.
Respeitosamente,
O Autor
A crise é você
JOSIAS DE SOUZA
Li em algum lugar, não me lembro onde, um caso interessante envolvendo Picasso e o seu “Guernica”, quadro que mostra a destruição da cidade de mesmo nome durante a guerra civil espanhola.
Um graduado militar alemão fez uma visita a Picasso em seu estúdio. Ao dar de cara com uma reprodução de “Guernica” na parede, perguntou: “Foi o senhor que fez?” E Picasso: “Não, não. Foram os senhores”.
O eleitor brasileiro tem mania de olhar com distanciamento típico dos “scholars” o quadro de ruína de sua cidade. É notável, por exemplo, o caso de São Paulo, essa vistosa Guernica que pende do mapa do Brasil. O paulistano age como se não fosse com ele. Cômodo. Muito cômodo. Mas desonesto.
O eleitor brasileiro, em especial o morador de São Paulo, deveria desperdiçar um naco deste domingo eleitoral para fazer uma introspecção. Pode ser após o despertar, barriga colada à pia do banheiro, enquanto espalha o dentifrício pelas cerdas da escova.
Levando a experiência a sério, depois de bochechar e lavar o rosto, o portador de título eleitoral enxergará no espelho, no instante em que erguer os olhos para pentear os cabelos, o reflexo de um culpado.
Indo mais fundo no processo de auto-exame, o eleitor verá materializar-se diante de seus olhos o óbvio: prefeitos e vereadores não surgem por geração espontânea. Eles nascem do voto.
E o eleitor talvez levante da mesa do café da manhã convencido de que a crise na sua cidade exige dele uma atitude. Um gesto individual e consciente.
No caso de São Paulo, que não é único no país, a crise não admite mais que o eleitor se mantenha exilado no conforto de sua omissão política. Intima-o a retornar à história de sua cidade, moralizando-a.
O primeiro passo é o abandono da cômoda e tola retórica de que os políticos “são todos iguais”. Não são. A igualdade absoluta é uma impossibilidade genética. É papel do eleitor distinguir diferenças, não erigir desculpas que, na prática, o eximem de pensar.
O segundo passo é a caída em si, a descoberta de que se está diante de um desses momentos mágicos. Circunstância única, em que o poder está nas suas mãos. Ou, por outra, está na ponta do seu dedo indicador. É com ele que você irá dedilhar o teclado da urna eletrônica.
A magia desse instante está na possibilidade de começar tudo de novo, do zero. Não é todo dia que se tem uma nova chance. Lembre-se: para o eleito inconsciente, o eleitor impaciente é um santo remédio.
Assim, ao abrir o guarda-roupa, escolha um traje especial, à altura da ocasião. Leve a mão ao fundo do armário. Desencave aquela roupa empoeirada, esquecida no canto. Vista-se de cidadão.
Ao ganhar o meio-fio, apague por um instante de sua mente os megatemas nacionais, esses assuntos que costumam polvilhar a primeira página dos jornais. Esqueça Brasília. Risque o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto de seus pensamentos.
Abra o seu espírito para as miudezas que o cercam. Se estiver em São Paulo, respire com vagar. Absorva cada partícula de poluição a que tem direito. Aguce o tímpano. Deixe que os ruídos urbanos o invadam.
Dê uma boa olhada na feiúra à sua volta. Repare na sujeira das ruas e dos monumentos. Fixe o olhar nos buracos da pista. Observe a ausência de transportes coletivos decentes. Note o lixo acumulado na quina do asfalto.
Eis a cidade diante dos seus olhos. É nesse pedaço de universo, vísceras à mostra, que você come e passa fome, dorme e perde o sono, trabalha e fica desempregado, ama e odeia, canta e chora, espolia e é assaltado. É aqui que você vive e morre a cada dia.
Entrando na cabine eleitoral, trate de pôr um ar solene na face. Não tenha pressa. Você é o dono desse momento. Aproveite-o. Deguste-o. Você tem o poder, lembra-se? Você é o protagonista do espetáculo. Você…
Faça uma visita ao seu interior. Encontre-se consigo mesmo. Certifique-se de que não esqueceu a consciência em casa. Converse com ela. Questione-a. Depois, estique o dedo e vote com a alma.
Há sempre a alternativa de lavar as mãos e continuar entregando o caso à divina providência. Se preferir esse caminho, tudo bem. Mas não reclame amanhã, quando descobrir que Deus está morto. Sua omissão o matou. Sente-se e reze. Peça perdão. Expie os seus pecados. A crise é você.
É, meu amigo, infelizmente esse texto retrata uma triste realidade. Aqui em Big Field teremos segundo turno, mas pelos candidatos “aprovados” parece que muitas pessoas ainda se guiam mais por pesquisas eleitoreiras do que pela própria consciência política, mais por carisma de candidato do que por propostas de trabalho. E assim vamos nós, continuar a reclamar da política por mais quatro anos sem perceber que a crise está em nós mesmos… Bjos
Nem me diga, minha cara, nem me diga. Veja a trilha sonora do momento de hoje que você vai compreender um pouco meu atual estado de espírito, depois dos resultados de ontem. Beijos.