Saindo um pouco dessa loucura em que o mundo se precipitou – cortesia do Nero dos nossos tempos, Donald Trump -, vamos reorientar as polêmicas deste espaço para uma seção que andava meio esquecida por aqui: as Ciências.
Há quase dez anos, aqui se escreveu que a existência da Terra é tão singular que deveríamos tomar muito bem conta dela, porque planetas como este não estão sobrando por aí no espaço. Naquela ocasião, foram enumeradas cinco variáveis que já transformavam o terceiro planeta do sistema solar em algo fora do comum. Ele é: 1) rochoso; 2) encontra-se na zona habitável de sua estrela (onde a temperatura é suficiente para existir água líquida, mas não muito quente que torne inviável a vida); 3) ter água; 4) possuir um campo magnético; e 5) produzir um movimento de rotação numa velocidade adequada (não necessariamente as nossas 24 horas, mas não muito longe desse padrão, sob risco de termos um lado demasiadamente quente e outro, demasiadamente frio).
Pois bem. Como ainda há gente que insista, sem qualquer embasamento científico, no “argumento estatístico”, segundo o qual “tem tanta galáxia-estrela-planeta por aí que não é possível que não exista vida igual a nossa espalhada pelo universo”, vamos analisar a questão sob uma ótica estritamente matemática-estatística, para desmontar a soberba cientificamente estúpida dessa galera.
Do ponto de vista biológico, as condições para surgimento e, mais importante, manutenção da vida na Terra ultrapassam em muito as cinco citadas no artigo acima. Na verdade, são ao todo 122. Isso mesmo. Você não leu errado. Cento e vinte e duas condições necessárias para que a vida exista e não desapareça por inviabilidade nesse pedaço de rocha a vagar pelo espaço.
Além das que você já conhece, existe, por exemplo, a condição do percentual de oxigênio na atmosfera. São aproximadamente 21% da composição do ar que respiramos. “Não seria melhor ter mais oxigênio, pra gente respirar melhor?” Não. Se esse percentual fosse minimamente diferente, por exemplo, de 25%, teríamos combustão espontânea a torto e a direito. O planeta viveria em chamas e a vida como nós a conhecemos seria impossível. E isso é apenas uma das 122 variáveis indispensáveis para a vida. Há mais de cem outras, como transparência atmosférica, gravidade, etc.
Sabendo de todas essas variáveis, vamos à tão propalada estatística. Deixando-se de lado o fato de que não se sabe ao certo como a vida começou na Terra – o que exclui à partida qualquer chance de se produzir um cálculo estatístico cientificamente honesto -, vamos nos concentrar somente nas variáveis condicionais, isto é, aquelas necessárias para que a vida surja e se mantenha em um determinado lugar.
Operando-se um cálculo probabilístico, verifica-se que a possibilidade de que essas 122 variáveis reúnam-se conjuntamente em um determinado lugar é de 10 elevado à 138ª potência. Ou seja: 10 seguido de 138 zeros.
“E daí?”, pergunta você.
Daí, respondo eu, do ponto de vista puramente estatístico, qualquer hipótese que exceda a 10 elevado a 50 é, matematicamente, considerado uma impossibilidade (ou “chance = zero”). Sim, isso mesmo. Se a chance de uma sequência de eventos ocorrer é de apenas 1 em cada 10 elevado a 50, isso significa dizer que essa coisa é impossível do ponto de vista matemático.
Apenas para deixar ainda mais evidente o quão absurdo é a proposição dos adeptos do argumento estatístico, se 1 chance em 10 elevado a 50 é igual a impossível, 1 chance em 10 elevado a 51 é igual a “10 vezes impossível”. 1 chance em 10 elevado a 52 é igual a “100 vezes impossível”. 1 chance em 10 elevado a 53 seria “1000 vezes impossível”. Quem quiser brincar com números, pode continuar a contagem até chegar em 10 elevado a 138.
Portanto, antes de sair por aí arrotando “verdades” inexistentes, baseadas em cálculos probabilísticos fantasiosos, convém revisitar a sábia humildade de Sócrates, quando reconheceu:
“Só sei que nada sei”.