Uma das coisas mais difíceis para qualquer pesquisador – e aí não importa o ramo da Ciência – é manter-se fiel à razão quando desenvolver seu estudo. Na maioria dos casos, o sujeito que se dedica a estudar um problema não sabe de antemão qual vai ser a solução pra ele, isto é, se de fato ele encontrar alguma de qualquer jeito. Quando se chega a um beco sem saída, a encruzilhada é inevitável: aceito o erro e jogo fora tudo que foi feito até o momento?; ou torturo os dados, produzo uma “conta de chegada” e enfio a conclusão a marteladas dentro do trabalho?
Evidentemente, esse tipo de dilema se manifesta de maneira mais cruel nas Ciências Exatas. Afinal, nas Humanas em geral – e no Direito, em particular – costuma valer a regra segundo a qual “papel aguenta tudo”. A depender da retórica do cidadão, vermelho pode ser azul e branco vale como preto, desde que a capacidade de embromação esteja em dia. Esse dever de honestidade intelectual é o que normalmente separa os medíocres, que estão apenas em busca de mais um título para pendurar na parede, dos verdadeiros cientistas, que verdadeiramente procuram idéias novas no seu campo de conhecimento. Um exemplo bem concreto do que se está tratando pode ser observado na Astronomia.
Desde que se descobriu que nosso planeta não era único (havia mais oito – ou sete, como queiram) no Sistema Solar, passou-se a indagar sobre a vida fora da Terra. As hipóteses estatísticas cresceram ainda mais quando se constatou que o nosso Sol era apenas mais uma estrela em nossa galáxia, e ela nada tinha de especial em relação às outras. E alcançou as raias do paroxismo quando se descobriu que também a nossa galáxia – a Via Láctea – não era única, mas um ponto perdido no espaço entre as mais de 200 bilhões existentes no Universo observável.
Para a grande maioria dos físicos e astrônomos, tais revelações tinham para a dúvida se estamos sós no Universo a mesma função que a pá de cal tinha nos enterros: sepultar a questão. Se há 100 bilhões de estrelas somente na Via Láctea, cada uma delas contendo potencialmente alguns planetas, e se há 200 bilhões de galáxias no restante do Universo, algumas delas com mais de 1 trilhão de estrelas, seria simplesmente impossível conceber que a vida não tivesse dado as caras em outro recanto do espaço. A improbabilidade estatística é fundamentalmente o principal – e, até agora, único – sustentáculo do argumento de que não estamos sós no Universo.
Mas será?
Deixe-se de lado, por ora, o fato de que a vida segundo a qual a conhecemos depende de um planeta com características iguais ou muito semelhantes à Terra, coisa que, com toda a tecnologia que temos, até agora não apareceu (para entender mais sobre o problema da “Terra Única”, clique aqui). Noves fora encontrar um planeta com condições semelhantes ao nosso, o argumento da “improbabilidade estatística” depende de uma variável inteiramente desconhecida: quais são as hipóteses de a vida brotar do nada?
De fato, até hoje os cientistas não conseguiram reproduzir a vida a partir de elementos químicos, de maneira que eles interagissem de maneira a formar microorganismos, nem mesmo os mais primitivos. Na verdade, não se sabe sequer quais foram os mecanismos engendrados pela Natureza para transformar o que deveria ser somente uma “sopa” de elementos primordiais em coisas mais complexas como as mitocôndrias e, depois, os organismos unicelulares.
Repare-se que não se está a aqui tratar de Teoria da Evolução. Não, não, absolutamente. A Evolução explica a transição entre formas de vida, mas não explica como a vida em si mesma surgiu. A questão, portanto, é muito mais profunda e complexa do que aparenta ser.
A rigor, somente poderíamos defender com a necessária honestidade intelectual a hipótese da “improbabilidade estatística de estarmos sós no Universo” se nós soubéssemos de antemão quais são as hipóteses de a vida surgir a partir do nada, sem uma “influência superior”, por assim dizer. Seria difícil dizer que estamos sós no Universo se essa chance fosse, por exemplo, de 1 em 1.000.000. Com tantos trilhões e trilhões de planetas, seria de fato estatisticamente improvável que a vida não tivesse brotado em algum deles. Mas se a chance de a vida surgir do nada for superior ao número de planetas existentes no Universo, com base em quê podemos defender essa tese?
E, veja, estamos aqui falando simplesmente de “vida”, no seu conceito mais básico e primordial: seres unicelulares, talvez até sem núcleo, com pouca ou nenhuma complexidade orgânica interna. Que dirá, portanto, da evolução desses seres primordiais até formas de vida mais complexas e inteligentes, como o ser humano.
A possibilidade de estarmos sós no Universo, portanto, está longe de ser uma hipótese esdrúxula. Enquanto não se descobrir a “chave da vida”, ninguém que verdadeiramente preza a honestidade intelectual poderá descartá-la sumariamente. É o que a boa Ciência, em suma, recomenda.