A crise da Amazônia, ou Os riscos para a posição do Brasil no mundo

Que há uma crise internacional envolvendo a floresta amazônica, só as avestruzes não vêem. Seja a crise resultado de uma orquestração internacional para “tomar a Amazônia dos brasileiros”, seja ela fruto de uma política externa tendencialmente caótica, o fato é que o Brasil e suas matas tornaram-se manchete na imprensa internacional. Sendo assim, mais importante do que reconhecer a existência da crise é entender como ela se construiu e, mais importante, tentar projetar quais seus efeitos daqui por diante.

Em primeiro lugar, deve-se tirar o cascalho do meio do caminho. Seria irresponsável e – por que não dizer? – leviano atribuir ao Presidente da República responsabilidade direta pelas queimadas ocorridas na Amazônia. Pode-se acusar Bolsonaro de muita coisa, mas burro certamente ele não deve ser (ou então não teria sido eleito presidente). Não há razão alguma para acreditar que ele teria apoiado diretamente os incêndios que corroem a imagem do Brasil lá fora, com ganho político interno zero e prejuízo externo imensurável.

Em segundo lugar, deve-se reconhecer que, no mundo das relações internacionais, não há mocinhos nem bandidos. Não há países amigos uns dos outros. Muito menos as brigas se dão por conta de alguma diferença pessoal entre os líderes. O que há são intere$$e$, que podem ou não estar alinhados de acordo com a conjuntura externa. Neste caso específico, o presidente da França, Emmanuel Macron, joga o jogo ao utilizar a temporária fragilidade externa do Brasil para auferir dividendos eleitorais de uma população que, historicamente, sempre foi refratária a acordos comerciais que pusessem em riscos os seus subsídios internos. Até aí, nada de novo sob o Sol.

O problema, como parece óbvio caso se olhe a crise em retrospecto, é observar que a retórica disparatada do governo transformou o que deveria ser um transtorno passageiro numa crise com dimensões internacionais. Quando o Inpe alertava para o aumento de focos de incêndio na Amazônia, o que fez o governo? Contestou os dados – sem apresentar qualquer dado científico que os refutasse  -, dizendo que se tratava de uma “campanha contra o Brasil”. No limite, demitiu-se o diretor do Instituto, que nada mais fez senão reagir com altivez a uma agressão gratuita do Presidente, que o acusara de estar “a serviço de ONGs”. Parece claro que, ao assim proceder, o governo mandou uma mensagem muito clara de leniência com quem desmatava, levando à explosão de focos de incêndio em julho último.

Para além disso, o governo reagiu sem método à crise externa. Ou, por outro ângulo, reagiu com o mesmo método que costuma empregar quando surge uma crise interna: partir pro pau. Quando Alemanha e Noruega resolveram cobrar publicamente o Brasil pelo aumento do desmatamento, a reação imediata foi desqualificar as críticas e refugar o dinheiro que ambas destinavam ao Fundo Amazônia, um ervanário de mais de R$ 3 bilhões. Como bem observaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o governador do Maranhão, Flávio Dino, o país não está em condições de sair por aí “rasgando dinheiro” porque, na pindaíba em que estamos, “qualquer real vale”.

Fora isso, o entrevero com o presidente da França ultrapassou em muitos graus os limites da elegância nas relações internacionais. Tudo bem que nenhum brasileiro vai aceitar de bom grado o presidente francês falar em “internacionalização” da Amazônia, mas fazerr referências depreciativas à aparência de sua mulher e chamá-lo ironicamente nas redes sociais de “Micron” (como faz o ministro Ricardo Salles), só depõe contra a própria posição do Brasil e desqualifica nossos representantes como interlocutores respeitáveis no cenário internacional. A mesa de poker do grande carteado internacional aceita de tudo, menos a inobservância de regras mínimas de etiqueta.

No que realmente interessa, o governo parece ter conseguido a façanha de transformar uma crise que poderia ser motivo de simpatia internacional em um grande fator de desgaste para a imagem do Brasil no exterior. Se antes seria possível imaginar alguma espécie de campanha internacional de solidariedade para combater as queimadas na Amazônia, agora estamos na difícil posição de ter questionada nossa capacidade de impedir desastres internos, ao mesmo tempo em que se vê pairando no ar o discreto perfume de um boicote internacional a produtos brasileiros por conta da retórica ambientalista agressiva patrocinada pelo governo.

Seja como for, não há razão para embarcar no delírio que une direita e esquerda, segundo o qual as grandes potências têm um plano maquiavélico de anexação da Amazônia. Não só não haveria acordo quanto a quem tomaria posse dela – até hoje não se chegou a acordo  sequer em relação à Antártida, que é terra de ninguém -, como também não há a menor possibilidade de um tal plano ser efetivado (basta lembrar o que aconteceu aos americanos no minúsculo Vietnã). A Amazônia, não há dúvidas, é dos brasileiros. Mas cabe a nós tomar muito bem conta dela.

Afinal, o mundo está vendo.

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