Não foi por falta de aviso.
Começando por uma campanha que manifestamente renegava a política, passando por um período de transição no qual não se formou uma base congressual, até enfim desembocar numa administração que parece afeita a tratar parlamentares aos pontapés, o Governo Bolsonaro já enfrenta sua primeira grande crise política.
Após o breve mandarinato de Ricardo Vélez na Educação, seu substituto, Abraham Weintraub, conseguiu o que parecia impossível: despertou novamente o monstro das ruas, que roncaram hoje alto contra os cortes promovidos no orçamento do Ministério. A façanha ganha contornos apoteóticos quando se considera que este é um governo com apenas cinco meses de vida, quando a ordem natural das coisas ensina que manifestações dessa natureza só costumam acontecer em governos terminais, após um longo período de desgastes públicos.
Neste momento, a pergunta que todo mundo deve estar se fazendo é: “E agora?”
Oficialmente, a oposição na Câmara está reduzida a 137 deputados, pouco mais de 1/5 da casa. Esse número é insuficiente até mesmo para requerer a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito. Curiosamente, no entanto, o lado oficialmente governista é ainda menor: 54 deputados do PSL, o partido do presidente, solitário integrante da coalizão (??) governista. Entre os extremos, há uma massa de aproximadamente 320 deputados que servem a todos os governos, quaisquer governos, desde que se pague um preço por isso.
Mas esse não parece ser o caso do Presidente.
Até agora, Bolsonaro não conseguiu montar uma base de sustentação do governo. Na verdade, não há sequer indício de que ele esteja buscando aumentar a que tem. Pior. Não se sabe nem ao menos se o Presidente tem a exata noção da necessidade de arrumar uma base para chamar de sua. Aparentemente perdido nos embates diários contra a mídia e fantasmas do passado – do qual o “comunismo” e a “doutrinação marxista” são apenas os exemplos mais visíveis -, o Presidente parece absorto numa espécie de realidade paralela, na qual tudo pode se resolver a partir das redes sociais, com os aplausos de sua claque digital.
Infelizmente, contudo, o buraco é mais embaixo.
Bolsonaro não se elegeu exatamente por ser um portento político ou por gozar de amplo apoio popular. Quem elegeu o presidente não foram as Olavetes, os infames seguidores do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Não foram os evangélicos, que dispersam seus votos entre os mais variados espectros eleitorais. Não foram sequer os militares. Tudo isso reunido, talvez não se chegue a 25% do eleitorado. Os outros 30% que o elegeram foi gente que simplesmente não queria mais ver o PT no governo, nem mesmo pintado de tucano (como era o caso de Fernando Haddad).
Constatando-se isso, bem se vê por que a chamada “pauta ideológica” não conquistou mentes e corações até agora. Para a maior parte das pessoas que votou em Bolsonaro, armar a população por decreto, censurar comercial de TV e cortar verba da Educação para impedir as “balbúrdias” universitárias não interessa nada. O que importa é emprego, é renda, é sair de casa com a certeza de que vai regressar vivo. E, nesse quesito, o governo não tem nada para mostrar até agora. Somando-se a isso as declarações desastradas de Abraham Weintraub, não é difícil concluir que o governo apenas colhe agora o que plantou desde que assumiu em 1º de janeiro.
Do ponto de vista da política tradicional, dois seriam os caminhos a partir de agora. No primeiro deles, o Presidente redescobre dentro de si a vocação para a política e passa a compor com o Congresso, de maneira a viabilizar o restante do seu mandato. Na segunda hipótese, a situação social e econômica atinge um tal nível de desordem que os agentes políticos e financeiros inventam um pretexto qualquer para recorrer à velha carta do impeachment, já gasta depois da deposição de dois ex-presidentes (Collor e Dilma). Isso é o que poderíamos chamar de “estado da arte” da ciência política.
Pode-se cogitar, entretanto, de uma terceira hipótese. Como Bolsonaro não se dispõe a organizar uma sólida base parlamentar, e tendo em vista que o país já sente a água pelo nariz na economia, a galera do dinheiro grosso – mercado financeiro e empresários em geral – pode forçar o Congresso a “assumir” as rédeas do país. Nesse caso, todas as reformas que eles reclamam seriam aprovadas por iniciativa dos próprios parlamentares, independentemente de favores governamentais.
Para também não entregar o ouro ao “inimigo”, o Congresso tampouco deixaria o Presidente governar. Todas as suas ações mais polêmicas seriam logo vetadas pelo Parlamento, como aconteceu com o decreto sobre sigilo de documentos e pode acontecer com o decreto das armas.
Para além disso, os parlamentares se assenhorariam de vez dos dinheiros da República, aprovando propostas ainda mais radicais de “orçamentos impositivos”, fazendo com que os dividendos eleitorais das obras públicas revertessem unicamente a seu favor, e não a favor do Presidente. Bolsonaro, portanto, conservaria o cargo, mas ficaria “empalhado” no Planalto, sem poder mandar mais muita coisa no país.
Parece loucura?
Pode ser. Mas não custa lembrar que, em um universo de menos de 400 parlamentares (513 no total), o governo levou uma surra de 307 a 82 na convocação do ministro da Educação. Para se alcançar 2/3 da Câmara, são necessários 342 votos.
You do the math.
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