Uma ilha à deriva, ou A bagunça do Brexit

Parece que estava escrito.

Depois de jogar sua sorte no escuro ao realizar um plebiscito sobre um destino que ninguém queria – a saída da União Européia -, agora o Reino Unido vê-se às voltas com a incapacidade de transformar a promessa eleitoral em realidade. Com a estrondosa derrota de ontem, a primeira-ministra britânica, Theresa May, colheu o pior resultado de um governo no Parlamento em quase um século. De quebra, lançou o país numa série de incertezas cujo resultado ninguém em sã consciência é capaz de prever.

À primeira vista, cumpriu-se o script esperado. Gente que era contra o Brexit continuou contra, na vã espera de que o impasse conduza a uma reversão do resultado plebiscitário; e gente que era a favor achava que os termos negociados por May são demasiadamente soft para quem deseja dar as costas ao continente. Daí, somando a fome com a vontade de comer, quase 2/3 do Parlamento se uniram contra o acordo de divórcio entre Reino Unido e Europa.

À segunda vista, porém, a história do Brexit parece longe de estar escrita. Como nos melhores filmes de suspense, assiste-se a um thriller sem saber exatamente o que vai acontecer depois. Pode não acontecer nada, mas pode aparecer um monstro de repente só pra assustar a platéia. Mesmo sem saber, os deputados que ontem detonaram o acordo de May podem ter conduzido a Grã-Bretanha a um corner do qual vai ser difícil encontrar uma saída.

Renegociar os termos do acordo, a essa altura do campeonato, parece fora do questão. Tal como foi profetizado aqui, o restante da Europa – Alemanha e França à frente – quer mais é que os britânicos se explodam. Ou, por outro ângulo, ambos os governos “europeístas” nutrem em segredo que o impasse parlamentar conduza a um de dois resultados: ou um hard brexit, com a débâcle generalizada que se pressupõe em seguida, para servir de exemplo aos demais “independentistas”; ou que o Reino Unido ajoelhe no milho, peça perdão e implore por voltar à UE, através da convocação de um novo plebiscito para revogar o anterior.

Obviamente, nenhuma dessas duas alternativas é fácil. Embora boa parte do Partido Conservador queira dobrar a aposta, imaginando que o receio da débâcle convença Bruxelas a aceitar um novo acordo, é mais fácil acreditar que a União Européia pague pra ver. Afinal, risco maior correm os próprios britânicos, que se veriam à margem do Mercado Comum Europeu e com a ameaça de debandada generalizada de empresas e pessoas para países do continente.

Do outro lado, os Trabalhistas acreditam que o impasse possa forçar os Conservadores a aceitar a realização de um novo referendo. Essa hipótese, contudo, é altamente improvável, pois não só os Tories jamais aceitariam reconhecer o erro histórico embutido na opção estapafúrdia de abraçar o plebiscito defendido pelo risível Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), como ainda haveria discussões infindáveis sobre se seria juridicamente possível ou politicamente correto convocar novamente o povo a manifestar-se sobre a mesma questão no espaço de menos de três anos.

Seja como for, o fato é que o tempo está passando e o dia 29 de março – data-limite para a saída do Reino Unido da União Européia – aparece cada vez maior no retrovisor. A única certeza no meio desse imbróglio todo é que, quando os políticos fazem uma opção preferencial pelo populismo, grande parte da população, incauta, acaba embarcando na onda sem ter muita idéia de onde está metendo a cabeça.

Que a barafunda na qual se precipitaram os britânicos fique pelo menos de lição para o restante do mundo.

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