O mundo político nacional foi sacudido por um terremoto na última sexta-feira. Sem aviso prévio, sem sequer o rumor de que fosse acontecer algo do gênero, a Polícia Federal deflagrou a 7ª fase da Operação Lava-Jato. Muito antes do que todo imaginava – inclusive este que vos escreve -, a bomba de efeito programado contida nas delações premiadas de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef explodiu. A grande questão, agora, é saber o que vai – ou pra quem vai – sobrar daqui pra frente.
Que a Operação prenderia ex-diretores da Petrobras e alguns dos famosos “operadores” dos partidos políticos, já era mais ou menos esperado por todo mundo. Surpresa mesmo foi o bolo incluir gente que não costuma aparecer nas reportagens da TV cobrindo o rosto para não ser filmada: os diretores das empreiteiras. E é justamente nesse ponto que reside a maior quantidade de nitroglicerina de todas as operações da PF realizadas até hoje.
Desde pelo menos a CPI dos Anões do Orçamento, em 1993, sabe-se que boa parte das empreiteiras brasileiras abastece seu caixa através de negociações escusas com agentes públicos. Lá se vão mais de 20 anos sem que nada, ou quase nada, tenha avançado na investigação das empreiteiras. Salvo um ou outro surto de moralidade irrompido pela descoberta de um escândalo ocasional, é de se entender que elas continuaram a tirar seu butim através dos desvãos do orçamento, sem que nada de mal lhes pudesse acontecer.
Não que o esquema de atuação seja desconhecido. Ao contrário. Qualquer adolescente da 8ª série é capaz de entender como se dá a prática do desvio nas licitações. O ente – União, Estado, Município ou alguma de suas estatais – precisa de uma obra. O encarregado pela sua execução precisa de dinheiro pra repassar a quem o indicou e para aumentar o seu patrimônio. Acerta-se o tamanho do sobrepreço, coloca-se no preço final da obra e, no final, todos ganham.
Sabendo-se que o esquema funciona na base do “ganha-ganha”, chega a ser um acinte ver declarações de diretores presos segundo os quais eles eram “constrangidos” a pagar propina. Ora, o dinheiro que era desviado para a conta secreta do funcionário público ou para o financiamento de campanha do agente político não saía do caixa da empreiteira, mas do bolso do contribuinte. Sim, é você, meu caro leitor, quem paga o pato no final das contas, através de obras superfaturadas.
Pior do que isso, somente a declaração de Antônio Carlos de Almeida Castro. Para Kakay, “dentro da normalidade, você teria de declarar essas empresas inidôneas. (Mas) Se elas forem declaradas inidôneas, você pára o país”. Ou seja: se da aplicação da lei resultarem problemas para o país, esqueça-se a lei. À semelhança da pachorra americana segundo a qual existiriam bancos “grandes demais para quebrar”, agora no Brasil existiram empresas “grandes demais para serem impedidas de contratar com o Poder Público”.
Noves fora o fato de que o capitalismo – olha ele aí, de novo! – tem o saudável mecanismo de seleção natural, através do qual o espaço deixado por alguém é logo ocupado por algum concorrente, não se pode admitir que eventuais contratempos com a construção de obras públicas possa garantir a determinadas empresas uma “licença para corromper”. Do contrário, com que moral o Estado terá autoridade para decretar a inidoneidade de empresas menores?
Independentemente do que venha a ocorrer com as empresas envolvidas no escândalo, é quase certo que os diretores presos negociarão com os promotores a assinatura de um acordo de delação premiada. Pela primeira vez em nossa história, uma ação de persecução estatal conseguirá unir todas as pontas de um escândalo de corrupção. Ficarão enredados na teia da Justiça funcionários de estatais responsáveis pela distribuição do jabaculê, os agentes políticos responsáveis pelas suas indicações, os doleiros responsáveis pela lavagem do dinheiro e – supremo espanto – os corruptores responsáveis pelo pagamento da propina.
O fato de a operação ter pegado, dessa vez, tubarões envolvidos do outro lado da rede de corrupção confere à Lava-Jato uma dimensão ainda não inteiramente compreendida pelo público em geral e até mesmo pelos analistas pagos para isso. Com alguma sorte, a Lava-Jato pode resultar no maior raio-X de roubalheira já realizado no país e trazer abaixo uma intrincada rede de corrupção que funciona há pelo menos uma década.
Exagero? Nem tanto.
Basta pensar o seguinte: todo mundo sem foro privilegiado envolvido no caso já foi preso e será denunciado. Os agentes políticos – deputados, senadores, ministros e outras autoridades com foro por prerrogativa de função – somente não foram para trás das grades porque a ação depende de uma denúncia do Procurador-Geral da República e de uma decisão do Ministro Teori Zavascki. Com o material que até agora veio a público, não é difícil imaginar que há base para mais prisões. Em suma: é apenas questão de tempo até que tenhamos um escândalo político de proporções apocalípticas. Perto do que virá, o Mensalão vai parecer fichinha.
Aos delegados da Polícia Federal, aos procuradores da República e, claro, ao juiz do caso, Sérgio Moro, devem ser rendidas as devidas homenagens pelo trabalho impecável demonstrado até agora. Pela primeira vez na história do Brasil, agentes do Estado resolveram seguir o ensinamento do Garganta Profunda no escândalo de Watergate: “Follow the money”.
Sinal de que o país caminha, sim. E para a frente.
Muito interessante a postagem.
Merci bien, ma cherie. Bissou.
Muito bem lembrado, a operação Lava-Jato apenas confirma os fatos que há décadas povoa o imaginário popular. Concordo que as investigações chegarão a uma profundidade e resultados importantes, mesmo porque é inegável a independência com que atuam hoje livremente a Polícia Federal e o Ministério Público.
Entretanto, a grande incógnita é se ao final serão mudados os processos ou alterados conceitos? Mudar ou reformular processos parece que não vem surtindo os efeitos necessários com relação a corrupção e a impunidade, haja vista os inúmeros casos de corrupção que ilustram nossa história.
O que fazer? Não tenho uma resposta. A reforma política seria um desses conceitos a ser implementado; quem sabe o fim do financiamento empresarial de campanhas políticas seria um dos golpes possíveis a ser desferido nessa relação promiscua e corrupta em questão.
Por falar nisso, o STF parece estar decidido pelo fim desse financiamento, embora há oito meses o respeitável e cioso ministro Gilmar Mendes esteja dando uma vista no processo.
Torço para que a Lava-Jato em seu prolongamento não sirva para outros motivos, como já aconteceu durante o último pleito eleitoral, como se pode depreender das declarações do Procurador Geral da República publicada recentemente na imprensa.
Com relação a informação de existir uma “intrincada rede de corrupção que funciona há pelo menos uma década” , façamos uma correção a bem da precisão dos fatos, seriam pelo menos 15 anos, conforme afirmaram os próprios procuradores responsáveis pela operação.
Por fim, mais do que justo o reconhecimento aos delegados e procuradores pela atuação corajosa, destemida e independente, agora quanto a ser “impecável” há muitas controvérsias.
Tenho sérias dúvidas se a tal da “Reforma Política” é essa panacéia toda que vendem, André. Pra mim, o que reduz crime é repressão. Nesse caso, por exemplo, o desbaratamento tem, a meu ver, ligação direta com o fato de Marcos Valério não ter conseguido se safar no julgamento do Mensalão. Daí a delação premiada de Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e os et cetera que vêm por aí. Em relação à sua correção, observe que eu falei “há pelo menos uma década”. Logo, se começou há quinze anos ou mais, está no conceito de “há pelo menos uma década”. Quanto à qualidade da investigação, só o futuro dirá. Mas, pelo que se viu até agora, acredito que essa operação tem o potencial, sim, de ser um paradigma na luta contra a corrupção no Brasil. Aguardemos. Um abraço.
Concordo plenamente com quase tudo, mas ressalto esse esquema com construtoras que corrompem agentes públicos em licitações existe há bem mais, muito mais mesmo de dez anos. A diferença é que agora há liberdade e mecanismos para a Polícia Federal investigar, e a determinação de encostar o governo petista na parede, custe o que custar. Concordo, depois de melhor refletir, que independentemente dos prejuízos que a paralisação de grandes obras possa causar ao País, as empresas que cometeram o comprovado crime de suborno devem ser severamente punidas e proibidas de participar de futuras licitações( embora os nossos moralistas e civilizados Estados do primeiro- mundo dificilmente punam as suas empresas que praticam o suborno no estrangeiro e nem as que abarrotam os cofres dos bancos de paraísos fiscais. Roubo só no Brasil e no restante do terceiro- mundo). E como você bem diz, o Brasil caminha para frente, bem diferente de tempos outros em que os grades corruptores nacionais e estrangeiros pousavam de donos da moral, apontados , a exemplo do caso de Daniel Dantas, como “grandes empreendedores”. Só espero que depois desse grande esforço contra o verdadeiro crime organizado, tudo volte a ser como antes, da forma como tem acontecido na Itália Berlusconi ( primeiro-mundo) e nem que esse afã combativo de nossa honestíssima imprensa, tenha por finalidade desacreditar a Petrobras para entregá-la a preço de banana ao capital privado, em especial o estrangeiro, o que foi ensaiado com certo êxito no governo FHC, que quase levou a empresa ao fundo poço, mediante principalmente a desvalorização de seu qualificado pessoal de carreira. O Brasil já teve vários surtos de euforia contra a corrupção, mas que nunca foram traduzidos em reais medidas para combater as suas principais causas: politização exagerada das empresas estatais; total benevolência com o grande corruptor ( normalmente poderoso e pertencente às elites econômicas do País; uma imprensa monopolizada( vergonha nacional); agentes públicos sem caráter usando a função em interesse próprio(corrupto) ou no interesse de partidos ou ideologias ( vazamento vergonhosos, infelizmente aplaudidos por boa parte da população, como se também não fossem manifestações de alta desonestidade); e exagerada participação do Estado na economia.
No mais, um abraço
Por partes, Comandante.
– Concordo que o esquema das empreiteiras organizou-se há mais de dez anos. No mínimo, há 20, como disse no texto, quando estourou a CPI dos Anões do Orçamento.
– Nos outros países, principalmente naqueles ditos do primeiro mundo, normalmente a punição às empresas se dá pelo bolso. Nesse mesmo caso da Petrobras, um dos ralos de corrupção foi descoberto por um acordo fechado entre a empresa holandesa SBM e a procuradoria de lá. No acordo, fechou-se uma multa equivalente a US$ 240 milhões. Seria a melhor solução para o nosso caso? Talvez. O que eu não acho certo é essa tentativa enviesada de “dobrar” a lei para eximir gente que a descumpriu, sob o pretexto do “fim do mundo”.
– Que o Brasil demora a avançar no quesito combate à corrupção, ninguém duvida. Mas, repito, acho que caminhados para a frente. Não dá pra imaginar algo parecido à Lava-Jato sem pensar no que aconteceu no caso do Mensalão. E, nas próximas operações que aparecerem, da mesma forma não será possível não pensar no que aconteceu na Lava-Jato. Daí a importância do cumprimento fiel da lei, inclusive com a decretação da inidoneidade das empreiteiras, se for o caso.
Um abraço.
Pingback: Os riscos para a democracia brasileira | Dando a cara a tapa