Se há uma coisa que a história ensina é que nada está tão ruim que não possa piorar. Tal é a constatação de quem vive no Brasil e assiste impotente à crise política e econômica que se instaurou no país neste ano de 2015.
Não que nada disso não tivesse previsto. Aqui mesmo, por mais de uma vez, foi prenunciada tanto a débâcle econômica como o furacão político a ser instaurado com a vivissecção pública da Operação Lava-Jato. Houve quem ingenuamente imaginasse que, uma vez retirado o véu do sigilo sobre os procedimentos do MPF, a coisa enfim começaria a melhorar. Ledo engano. Agora é que a coisa vai começar a piorar.
Pra começo de conversa, não há razão alguma para acreditar numa melhora a curto ou médio prazo do cenário econômico. A economia vai mal das pernas e ninguém mais discute se o PIB vai cair este ano, mas quanto ele vai cair este ano. Some-se a isso a abertura do dique de contenção do dólar, que já ultrapassou os R$ 3,00 e Deus sabe onde vai parar.
Embora no longo prazo o ajuste do preço da moeda norte-americana seja benéfico para a atividade econômica em geral, imediatamente ele pressiona ainda mais os índices de inflação. Isso no meio de um ambiente no qual três anos de represamento de tarifas públicas resolveram estourar de uma vez só. Estima-se que, para cada 10% de aumento do dólar, o índice oficial de inflação anual aumente 0,5%. Considerando que terminaremos o primeiro trimestre deste ano já quase no centro da meta de 2015 (4,5%), não é necessário ser gênio para imaginar que a inflação este ano estourará com folga a meta do Banco Central.
Para além dos problemas econômicos, o Governo ainda se vê às voltas com o acúmulo de quatro anos de erros políticos. Dilma Roussef imaginou ser possível livrar-se do PMDB fomentando a criação de um novo partido (PL), gerenciado pelo onipresente Gilberto Kassab e pelo inacreditável Cid Gomes. Deu-lhe dois de seus ministérios mais vistosos (Cidades e Educação) para alcançar tal propósito. Resultado: o PMDB elegeu os presidentes da Câmara e do Senado, e o Congresso aprovou uma lei que enterrou as pretensões de ressurreição do PL.
O fortalecimento congressual de um ressentido PMDB não é o único problema da presidente. Com suas principais lideranças sentindo o bafo das investigações da Lava-Jato nos seus respectivos cangotes, instaurou-se um “salve-se-quem-puder” político. Na medida em que os pedidos de abertura de inquéritos fragiliza suas posições institucionais, a única saída que resta a Eduardo Cunha e Renan Calheiros é buscar na oposição e na platéia o apoio que não virá do Governo. Daí a aprovação da PEC da Bengala, a devolução da MP das contribuições previdenciárias e a criação sucessiva de CPIs no Congresso.
Todas essas circunstâncias inauguram um perigoso ciclo de retroalimentação. O ambiente econômico adverso contribui para a piora do ambiente político conspurcado, e vice-versa. Quanto mais piora a economia, menores são as chances de o pacote fiscal ser aprovado pelo Congresso. E, quanto menores as chances de aprovação do ajuste fiscal, mais estressado fica o Mercado, pois sabe da necessidade do corte de gastos do Governo.
No meio de tudo isso, o prolongamento do clima radicalizado da campanha só faz acirrar ainda mais os ânimos. Derrotados na eleição, que já não gostavam de Dilma Roussef, ganharam a companhia de gente que se sentiu traída pelo seu discurso de campanha, quando a presidente negara implementar quaisquer das medidas que agora propõe ao país. Movidos pelo descontentamento e um certo ressentimento com as urnas, muita gente já fala abertamente em Impeachment, embora, até o momento, não tenha surgido nada na Operação Lava-Jato que justifique a destituição da presidente.
Até onde a vista alcança, não há espaço para a derrubada de Dilma Roussef. Não só porque não há base jurídica para o impeachment, mas, principalmente, porque sua base de sustentação política ainda é muito maior do que a dispunha Fernando Collor. Na verdade, a presidente só correria o risco de cair numa única hipótese: caso Lula e o PT resolvessem jogá-la ao mar, enxergando o risco de que a débâcle ameaçasse o projeto de poder do partido em 2018. Essa alternativa, todavia, é improvável, considerada a potencial conseqüência de o abandono de Dilma por Lula resultar numa aniquilação mútua, deixando o ex-presidente sem discurso para se contrapor aos que sempre se opuseram a ela.
Mesmo assim, a situação não pode ser considerada tranqüila. Em meio à radicalização da direita, gente da esquerda segue acreditando que o embate é a melhor saída. Daí a desqualificação reles de quem se opõe à presidente. Quando não alcunham simplesmente de “coxinhas” todos aqueles que criticam Dilma Roussef, os defensores mais radicais da presidente reúnem toda a oposição em um imenso balaio de gatos formado pela “elite branca” e a “burguesia golpista”. Para quem é branco, burguês e golpista, ser chamado pelo nome não faz qualquer diferença. No entanto, para quem é preto, pobre e legalista, resta apenas a certeza de que há algo de muito errado quando se recorre ao vocabulário reducionista barato dos anos 80 para defender a presidente.
Engana-se quem pensa que o golpismo tem um só lado. Ou, dito de outra maneira, equivoca-se quem acha que só o pessoal “da direita” está interessado na ruptura democrática. Há muita gente na dita “esquerda” doida para ver o circo pegar fogo. No ideário atrasado desse povo míope, é justamente nesses ambientes conflagrados que se reúnem as condições necessárias para a “revolução popular”, aptas a instaurar um governo “verdadeiramente democrático e social” no país.
Nessas horas, não custa lembrar o precedente histórico. Em 1964, João Goulart e suas vivandeiras achavam que seria possível emparedar o Congresso e extirpar os elementos de direita contrários ao seu Governo. Por isso, esporou a crise com suas “reformas de base”, a sublevação dos marinheiros e os pronunciamentos inflamados. No dia do discurso da Central do Brasil, a esquerda continuava achando que estava a um passo do poder.
Deu no que deu.
Novamente surpreso com outro texto desse blog. Parabéns!
Obrigado, Taiguara. Um abraço.