Eu sei que o Mensalão já no deu no saco da maioria das pessoas. No meu também, mas hoje volto ao assunto para abordar um tema sobre o qual tem sido feita grande confusão, de um lado e de outro do espectro político.
Como todo mundo sabe, há pouco mais de um mês o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria de votos, que os réus condenados em processos criminais de competência originária da Suprema Corte teriam direito a um novo recurso: os embargos infringentes. Previstos única e exclusivamente no regimento do STF, os agora populares infringentes são cabíveis nos casos em que o réu condenado por determinado crime tenha recebido ao menos quatro votos por sua absolvição.
Na decisão acerca do cabimento ou não do recurso, fez-se, como de hábito, o escarcéu de sempre. De um lado, os favoráveis à condenação denunciavam a admissão do recurso como meio caminho andado para livrar os réus da cadeia. Do outro, os que enxergam no processo do Mensalão uma “condenação política” celebravam o cabimento do recurso como meio de “rever injustiças” e garantir o exercício pleno do direito de defesa.
A questão fundamental gira em torno das condenações por formação de quadrilha. Foram nelas nas quais, para grande parte dos réus, quatro ministros votaram pela absolvição. Trata-se de um crime banal, para o qual o Código Penal comina uma pena máxima até certo ponto baixa: 3 anos de reclusão. Ocorre quando mais de três pessoas se associam para o fim de cometer crimes.
Na maior parte dos casos, o efeito da absolvição pelo crime de quadrilha será nula. Para Marcos Valério, por exemplo, condenado a mais de quarenta anos de cadeia, diminuírem-se dois, três anos no total da pena resultará em nada, ou quase nada. Da mesma forma, o pessoal do chamado “núcleo financeiro” do Mensalão, formado pelos ex-dirigentes do Banco Rural, também não deve ter qualquer mudança no regime de cumprimento da pena, ainda que caiam as condenações por formação de quadrilha.
O problema – e aí reside a maior parte do escarcéu – está na condenação imposta ao réu mais emblemático da Ação Penal 470: José Dirceu. Condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa, Dirceu só iniciaria o cumprimento da pena em regime fechado por conta da condenação a 2 anos e 11 meses por formação de quadrilha. Se a condenação por este crime se transformar em absolvição, o total da pena cai a menos de oito anos. E, dessa forma, o regime inicial da pena passa de fechado para semi-aberto.
A preços de hoje, no entanto, dá-se de barato que as condenações por formação de quadrilha devem cair. Com a entrada em cena de dois novos ministros, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, a anterior maioria de 5×4 pela condenação deve se transformar numa maioria de 6×5 pela absolvição. Em razão disso, a imprensa reclama da “pizza” que seria servida à população desejosa de moralidade na coisa pública, e os militantes de esquerda comemoram a “desmoralização da denúncia do Ministério Público”.
Nem uma coisa nem outra.
Pra começo de conversa, como já foi explicado aqui em outro post, a decisão pelo cabimento do recurso limita-se à sua possibilidade de interposição. O mérito, isto é, decidir-se se o recurso tem ou não fundamento, são outros quinhentos. Do ponto de vista lógico, existe a possibilidade de que os embargos sejam rejeitados e a condenação não sofra nenhuma atenuação. Ainda que eventualmente haja a reversão da condenação por formação de quadrilha, isso não implicará pizza (à direita) ou desmoralização da denúncia do Ministério Público (à esquerda).
Quem assistiu o julgamento do Mensalão pôde observar, por exemplo, que os argumentos em favor da não condenação por formação de quadrilha diziam respeito a questões puramente técnicas, relativas à configuração do tipo penal. Rosa Weber, por exemplo, entende que o delito só está materializado quando, da quadrilha, resultar “perturbação da paz pública”, algo que, no entender da Ministra, só ocorre em quadrilhas do tipo Comando Vermelho ou PCC. Por outra vertente, mas na mesma linha, Carmen Lúcia entendeu que o delito de quadrilha só se configura quando a associação para cometimento de crimes for estável, isto é, não esporádica.
Repare que, em ambos os casos, nenhuma das ministras chegou a defender a “inocência” dos réus. Trata-se, tão-somente, de definir se estão ou não presentes os requisitos autorizadores da aplicação da lei penal, cuja interpretação, para o bem e para o mal, só pode ser literal. Para as ministras, não houve “quadrilha”, mas “concurso de agentes”, ou seja, quando várias pessoas cometem um ou mais crimes. Isso diminui a quantidade da pena, pois haverá uma condenação a menos. Mas em nenhum momento autoriza a conclusão de que a conduta praticada pelos réus foi lícita e está chancelada pelo STF.
De uma forma ou de outra, nem a população sedenta de Justiça poderá dizer que houve pizza, nem os réus poderão dizer que a denúncia do MP foi desmoralizada. Seja qual for o resultado do julgamento dos embargos infringentes, nada vai mudar substancialmente. Os réus continuarão condenados e a sua conduta terá sido rechaçada pelo Judiciário. Não há, portanto, por que fazer panfletagem com decisão judicial.
Nem à direita, nem à esquerda.
Foi profético.
Pingback: Ainda o Mensalão, ou A verdade sobre o julgamento dos embargos infringentes – parte II | Dando a cara a tapa