O conclave de 2013

Desde que Joseph Ratzinger avisou ao mundo que abandonaria o trono papal, o distinto público tem sido bombardeado por uma espécie estranha de jornalista denominados “vaticanistas”. Primus inter pares, os vaticanistas supostamente se diferenciam dos demais jornalistas pelo fato de terem por ofício se dedicarem unicamente à cobertura do noticiário da Santa Sé. E, assim como os demais, os vaticanistas têm distribuído seus chutes quanto à eleição do novo papa. Não sei por que cargas d’água, seus vaticínios ganham a aura oracular, como se o Espírito Santo falasse por meio deles, e não pelos próprios cardeais que se reunirão no conclave.

Antes que você perca tempo lendo o que essas figuras dizem ou escrevem, convém saber que a história recente dos conclaves dá-lhes uma confiabilidade equivalente ao jogo de cara e coroa. Nos últimos seis conclaves, três favoritos levaram (Pio XII, Paulo VI e Bento XVI) e três zebras deram as caras (João XXIII, João Paulo I e João Paulo II). Portanto, qualquer análise acerca do resultado da próxima reunião equivale a jogar a moeda pra cima. Tanto pode cair para um lado como para o outro.

O que pouca gente entende é que um conclave não é uma eleição como qualquer outra. Fora a liturgia e o fato de que, segundo a crença, quem escolhe o papa é o Espírito Santo, as regras da escolha impõem uma dinâmica toda particular ao ritual. A análise de dois dos últimos conclaves do qual saíram zebras pode dar-vos uma certa idéia do que pretendo dizer.

Em 1958, havia entre os papabili dois conservadores – Giuseppe Siri e Alfredo Otavianni – e dois progressistas – Grégoire Pierre e Giovanni Batista Montini.  Depois de um longo reinado conservador de Pio XII, os cardeais queriam alguém mais simpático para falar às multidões. Após cinco votações, Montini, que nem cardeal era, recebera algo como quarenta votos. Era o suficiente para lhe dar a primazia, mas insuficiente para elegê-lo papa. Como os conservadores bateram o pé e se negaram a dar-lhe o restante dos votos necessários para sagrar-se papa sem antes passar pela túnica vermelha, as duas alas entraram em acordo. Ambas queriam um papa de transição, mas por razões diferentes. Os progressistas, para esperar  até Montini ser alçado a cardeal. Os conservadores, para que lhes permitisse reaglutinar forças para um próximo embate em breve.

Depois de quatro dias e onze votações, Angelo Giuseppe Roncalli se tornaria João XXIII. Ninguém apostaria que o Patriarca de Veneza, um homem humilde e modesto, faria mais do que esquentar a cadeira para o próximo papa. Cumprindo o acordo que se firmara na eleição, a primeira coisa que fez foi nomear Montini cardeal (e ele efetivamente veio a sucedê-lo, como Paulo VI). A segunda foi convocar o concílio Vaticano II. Pois aquele papa que fora eleito apenas até que se escolhesse efetivamente alguém para ocupar a cadeira produziu a maior revolução da história da igreja moderna.

Em outubro de 1978, os mesmos cardeais que elegeram João Paulo I voltavam-se a reunir muito antes do esperado. A ala conservadora – liderada novamente por Giuseppe Siri – voltava a enfrentar os rivais progressistas – liderados por Angelo Benelli. Apenas três meses antes, o impasse entre as duas tinha levado à eleição de Albino Luciani. Agora, o impasse se repetia.

Após cinco votações, Benelli ficara a apenas nove votos de tornar-se papa. Reconhecendo-se batidos, os conservadores propuseram um acordo: dariam os votos restantes para Benelli e este, eleito, colocaria Siri como Secretário de Estado. Benelli refugou o acordo, dizendo que aquilo era obra do Coisa-ruim. É possível que Benelli acreditasse que conseguiria os votos restantes de uma forma ou de outra. É possível também que tenha acreditado que barganhar cargos na burocracia não condiziria com a liturgia eclesiástica. O mais provável é que tenha subestimado o radicalismo da ala conservadora.

Exaustos depois de tanta briga, os cardeais não italianos ficaram de saco cheio daquela disputa peninsular entre Milão (Siri) e Florença (Benelli). Três votações depois, com apoio maciço dos prelados americanos e alemães, Karol Wojtyla seria eleito João Paulo II.

A surpresa com a eleição do primeiro papa não italiano foi tão grande que, assistindo novamente ao vídeo de sua eleição, é possível escutar naqueles dois segundos de silêncio após o anúncio do vencedor a multidão pensando: “Quem?!?”

Por isso, antes de acreditar nas predições dos vaticanistas, convém botar as barbas de molho. Afinal, ninguém sabe qual tipo de inspiração virá daqueles maravilhosos afrescos de Michelangelo.

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