Quem resolve ser cantor e compositor no Brasil é, no mínimo, um sujeito persistente.
Sim, pois começar a vida tendo de encarar, logo assim, de testa, nomes como Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil…convenhamos que a concorrência estabelecida não é muito animadora.
De fato, o Brasil é uma verdadeira fábrica de talentos da música popular. São tantos que ninguém se arrisca a dizer ou a apontar: “Esse é o maior compositor da MPB”.
O “problema” dessa profusão de talentos é que muitos dele – talvez não no mesmo patamar dos acima citados – acabam ficando esquecidos. Em outros países, seriam reverenciados como deuses. Por aqui, vez por outra são lembrados nas rádios, ou mesmo em festas particulares, sempre acompanhados da expressão: “Puxa, esse cara era muito bom”.
E a coisa fica feia mesmo quando eles morrem cedo.
Foi o caso de Luiz Gonzaga Jr., ou simplesmente Gonzaguinha.
Se Gonzaguinha fosse sueco ou dinarmaquês, é possível que houvesse estátuas erguidas a ele nas principais cidades, casas de ópera que levariam seu nome, e até mesmo prêmios internacionais de música, tal qual um Nobel da vida. Como Gonzaguinha nasceu no Brasil e morreu ainda muito jovem (45 anos), pouca gente lhe dá o devido valor.
Gonzaguinha foi genial. Írrito, desde cedo adotou uma postura questionadora, criando canções de contestação à ditadura militar. Não à toa, era figurinha carimbada no DOPS. Mas a face mais cruel dessa sua personalidade desafiadora acabou sendo o distanciamento que tomou do pai, que não concordava com seu estilo musical. E o descontentamento era recíproco, pois Gonzaguinha não admitia que Luiz Gonzaga, à época já um dos maiores músicos do país, ficasse de certa forma “confinado” ao seu baião e não usasse a música para criticar o regime.
Gonzaguinha era claro, explícito na sua crítica. Na verdade, era mesmo um provocador. Na música É, Gonzaguinha critica de forma subliminar a platéia que o escutava e que assistia passivamente ao que se passava no país. Dizia Gonzaguinha:
É….a gente não tem cara de babaca
A gente não tem jeito de panaca
A gente não está com a bunda exposta na janela
Pra passar a mão nela
Mas havia um outro Gonzaguinha, romântico, das letras de amor profundo, que arrebatava uma legião de corações apaixonados Brasil afora. Uma das mais bonitas músicas desse estilo musical, na minha opinião, é Sangrando. O começo é de atordoar qualquer um:
Quando eu soltar a minha voz, por favor entenda
Que palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto, vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando
Já no fim da vida, Gonzaguinha reconciliou-se com o pai, Gonzagão, e juntos fizeram uma turnê de tremendo sucesso. Abaixo vai uma palhinha dos dois cantando o clássico Vida do viajante:
O fato é que Gozanguinha morreu muito cedo, ainda no pino do meio-dia, quando ainda o sol ainda prometia tanto, e havia tanto por fazer.
Pra quem ainda pensa que Gonzaguinha resume-se a O que é, o que é, convém gastar um pouquinho mais de tempo ouvindo esse magnífico talento brasileiro.
Espetacular, muito bem exposto seu pensamento. Apenas acho que o Gonzaguinha somente fazia ressalva a simpatia ( ou tavez o apoio) de Gonzagao pelo governo militar. Quanto ao genero musical, penso que nao havia objecoes.
Desculpe os acentos!
De fato, meu caro Moura Grande, acho que a divergência era mais por conta da temática musical, não exatamente por conta do estilo. Tanto é que Gonzaguinha gravou diversos clássicos do Gonzagão, como Olha pro céu meu amor, Vem morena e Xote das Meninas. Abraços.
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