Recordar é viver: “O que está acontecendo com o mundo?”

Uma década depois, a triste constatação de que muita gente ainda insiste em negar o óbvio.

É o que você vai entender, lendo.

O que está acontecendo com o mundo?

Publicado originalmente em 19.2.14

Há exatamente dez anos, era lançado nos cinemas um daqueles blockbusters pipoca de Holywood. Um filme sem muito pé nem cabeça, com efeito especiais mil e um roteiro fantasioso destinado a emprestar suspense a uma trama cujo resultado final é amplamente previsto pelo público. Sabe-se lá por quê, O Dia depois de Amanhã faturou mais de meio bilhão de dólares mundo afora e se tornou um dos filmes de maior sucesso do ano de 2004.

Para quem assistiu, o filme vale menos pelo roteiro fraco e atuações idem do que pela temática de fundo: o que acontecerá ao planeta quando atingirmos um ponto de não retorno na mudança climática?

No filme, Jack Hall, personagem de Dennis Quaid, expõe sua teoria pela qual toda a destruição ao redor acontece por conta de uma mudança na corrente do Ártico. A determinada altura, diante do ceticismo geral de seus colegas, Hall sentencia: “I think we are on the verge of a major climate shift” (“Eu acho que estamos à beira de uma grande mudança climática”).

Há dez anos, o roteiro improvável e as atuações fracas deixaram no ar a impressão de que o filme não passava de alarmismo infantil para aumentar a bilheteria no cinema. Hoje, contudo, tem-se a impressão de que aquilo foi só um trailler do que está por vir.

Quem assiste ao noticiário pode ver que alguma coisa estranha se passa com o mundo. No Nordeste brasileiro e na Austrália, a seca já entra pelo seu terceiro ano. No Reino Unido, choveu mais nos últimos meses do que nos últimos 247 anos. Com um detalhe: os registros começaram há exatamente 247 anos. Ou seja: pode-se estar diante da maior inundação fluvial de toda a história da Grã-Bretanha.

Se isso não fosse o bastante, a mudança na temperatura do planeta alterou as correntes de ar no Ártico, causando os chamados “vórtices gelados” no Hemisfério Norte, em um fenômeno incomodamente parecido com o retratado em O Dia depois de Amanhã. Neva sem parar nos Estados Unidos e todas as cidades do Leste enfrentam as piores tempestades de gelo dos últimos cinquenta anos.

Por isso mesmo, o próprio termo “climate change” perdeu um pouco seu sentido. Na comunidade científica, ele tem sido substituído por outra expressão: climate resiliance, ou “resiliência climática”.

Desde quando se começou a estudar os efeitos da atividade humana sobre o clima, as pessoas – mesmo as mais pessimistas – entendiam que os efeitos seriam devastadores, mas ainda assim conseguiríamos desenvolver formas de conviver com o novo ambiente. Hoje, a certeza já não é a mesma.

O que dizer, por exemplo, se a seca se prolongar por anos em algumas das áreas mais produtivas do mundo, como no Centro-Oeste brasileiro? Ou, por outro lado, o que acontecerá se celeiros mundiais com a Rússia ou o Canadá forem soterrados pela neve incessante? Quebras de safra são sazonais e vez por outra causam problemas, mas nada que vá além da alta temporária de preços. Mas se a escassez se prolongar por muito tempo, como vamos alimentar a população mundial?

Em outra parte do mundo, o aguaceiro pode tornar impossível as medidas hoje já existentes para manter áreas habitadas acima do nível de água. Não custa lembrar que partes dos Países Baixos encontra-se abaixo do nível do mar, e mesmo a cosmopolita Londres sofre se o nível subir alguns metros. As comportas usadas para impedir a inundação das áreas mais nobres da cidade, às margens do Tâmisa, já foram acionadas 28 vezes só no último inverno.

Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, fica difícil manter o discurso otimista de que, aconteça o que acontecer, nós vamos nos safar das agruras. Como Ana O. gosta de repetir: um terço do mundo está morrendo de seca, outro terço está morrendo afogado e o restante, morrendo de frio. Aquilo que antes era apenas um exercício de futurologia climática ou mote para roteiro de cinema tornou-se uma estranha companheira quotidiana. Sim, a mudança climática já chegou.

E ela veio pra ficar.

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Trilha sonora do momento

E para terminar a semana lembrando (e rezando por) dias melhores no Rio Grande do Sul, vamos desse grande clássico de Kleyton & Kledir…

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Pensamento do dia

Quarto duplo significa que duas pessoas podem ficar pelo preço de uma, que tem de pagar o dobro se estiver sozinha.

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Imprensa preguiçosa, ou A miopia na análise política

Não se trata de novidade, mas irrita toda vez que acontece.

Quando a análise conjuntural do dia-a-dia da política cai na pasmaceira, de repente surge entre os jornalistas alguma “idéia brilhante”, capaz de unificar o discurso na grande mídia sobre a conjuntura nacional. Na década passada, por exemplo, a grande moda nas redações era dizer que “PT e PSDB eram os melhores partidos políticos que a democracia brasileira foi capaz de produzir”. Dez anos depois, não é preciso ser nenhum grande estudioso de ciência política para concluir o quão disparatada era essa conclusão. Não só o PT se afundou no Mensalão e no Petrolão, como depois o seu grande rival – o PSDB – definhou a olhos vistos, a ponto de ter se tornado um nanico eleitoral (15 deputados e só 1 senador).

Hoje, vemos algo semelhante se repetindo. A onda agora é dizer que “não existe direita sem Bolsonaro” e que “somente um candidato que dialogue com o bolsonarismo poderá se tornar viável numa eleição majoritária pelo espectro conservador”. Dentro desse “raciocínio”, encontra-se embutido uma nem tão velada assim idéia de “pacificação” do país a partir da anistia dos responsáveis pela intentona golpista do 8 de janeiro, com a fila sendo puxada por Bolsonaro e seus generais de pijama. Poucas vezes se pôde ver tanta preguiça mental e miopia política na análise das circunstâncias eleitorais do Brasil.

Pra começo de conversa, há de se constatar o óbvio: dentro do amplo leque ideológico da sociedade, o bolsonarismo é minoritário. Aliás, não é só minoritário, mas francamente minoritário. Salvo os bolsonaristas-raiz, assim entendidos como aqueles que defendem que Alexandre “Xandão” de Moraes é o “ditador de facto” do país e que a Terra é plana, mesmo quem se identifica com Jair Bolsonaro tem vergonha de se assumir como tal.

Em sua imensa maioria, as pessoas que se identificam como “conservadores” no fundo são apenas anti-petistas. Na “análise” da grande imprensa, essa maioria é logo identificada erroneamente como “bolsonarista”. A associação dessas pessoas ao movimento neofasciscta brasileiro dá-se exclusivamente porque, hoje, Bolsonaro encarna solitariamente o papel de opositor ao atual presidente. Como já se escreveu aqui certa feita, Bolsonaro não é nem nunca foi o “Lula da Direita”, mas simplesmente o “anti-Lula” de ocasião.

Essa é a razão pela qual mesmo montado na máquina governamental; mesmo produzindo o maior derrame de dinheiro em vésperas de eleição de que se tem notícia na história do Brasil (PEC Kamikaze); mesmo usando e abusando de toda a rejeição que Lula e o PT (justa ou injustamente) provocam na sociedade; mesmo constrangendo todas as instituições a não punir os seus excessos eleitorais; mesmo com a blitz da PRF para impedir os nordestinos de votar; ainda assim Bolsonaro perdeu. Trata-se – é sempre bom recordar – do único caso de Presidente em exercício a quem o povo sonegou o direito de reeleger-se. Converter esse ser que viveu à sombra do baixíssimo clero da Câmara dos Deputados por três décadas em portento eleitoral é, em suma, um erro analítico crasso.

A partir dessa constatação óbvia, pode-se enfim começar a construir hipóteses.

A primeira delas é que, a menos que o governo Lula seja um desastre completo, qualquer coisa identificada com o bolsonarismo estará fadada à derrota na próxima eleição. Se, com todas as coisas que se passaram em 2022, ainda assim Bolsonaro perdeu, como imaginar que, em 2026, com o chicote da máquina governamental tendo mudado de mão, a coisa vá se passar de forma diferente?

A segunda – que, de maneira velada, encontra-se matreiramente escondida nas análises de quem defende um “bolsonarismo moderado” – é de que uma anistia à cúpula do golpismo fará com que a polarização diminua e alguma alternativa ao centro possa emergir. É o tipo do raciocínio que só pode ser produto de tabagismo com cannabis apodrecida. A uma porque não existe, nem nunca poderá existir, um “bolsonarismo moderado”, eis que o próprio movimento depende, para sobreviver, de um estado de tensão e provocação institucional permanente. A duas porque o que modera golpista é cadeia. Repetindo: CADEIA. O Brasil já experimentou, durante o século XX, umas cinco anistias de movimentos que tentaram derrubar a democracia. Os resultados são esses que estão aí. Loucura, como diria Albert Einstein, é repetir o mesmo experimento da mesma forma e aguardar por um desfecho diferente.

A terceira – e aqui talvez se manifeste de forma mais explícita a preguiça mental dos analistas brasileiros – é que qualquer alternativa eleitoral ao campo “progressista” (hoje representado pelo PT) depende, necessariamente, do repúdio manifesto ao golpismo bolsonarista. Partindo-se do pressuposto de que 1/3 da população é PT e o outro 1/3 é anti-petista, não dá pra imaginar que o 1/3 que decide a parada das eleições vá se aventurar a repetir o vexame de 2018 sem que, do outro lado, esteja alguém minimamente comprometido com a democracia.

É exatamente por isso, portanto, que o pretendente a ocupar o cargo de “anti-Lula” terá de, forçosamente, renegar Bolsonaro e seus asseclas. Somente quando isso acontecer, o pessoal ao centro do espectro eleitoral vai poder deixar de se abraçar à esquerda para salvar a democracia. Quando isso ocorrer, enfim será possível escolher alguém que compartilha dos mesmos valores e noção de Estado dos verdadeiros conservadores, coisa que Bolsonararo nunca foi. Sem isso, ninguém jamais vai conseguir tomar-lhe o lugar.

Os mais céticos irão contra-argumentar dizendo que, sem cortejar os bolsonaristas, esse sujeito nunca vai se eleger. Ok, tudo bem. Pode até ser verdade. Imagine, entretanto, um segundo turno entre Lula e alguém da direita realmente conservadora.

Em quem esses sujeitos vão votar?

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Trilha sonora do momento

Com tanta mentira escorrendo pela tela, só recorrendo ao pessoal do Black Eyed Peas pra desopilar…

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Pensamento do dia

Tem gente que é pacote completo: além de lixo, é um saco.

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Trilha sonora do momento

E como hoje se comemora a data da abolição da escravidão mais tardia do mundo, vamos homenagear o tão sofrido povo negro deste país.

Que, pelo menos aqui neste espaço, sempre foi digno de atenção e de respeito.

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Pensamento do dia

Os loucos constróem castelos no ar, os paranóicos vivem dentro deles e os psicólogos cobram aluguel.

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Recordar é viver: “A vacina contra gripe para idosos”

E como estamos em época de vacinação contra a gripe, vale a pena recordar um post do começo da década passada, quando o negacionismo científico ficava restrito somente à chegada do homem à Lua.

É o que você vai entender, lendo.

A vacina contra gripe para idosos

Publicado originalmente em 26.11.12

Quem acompanhou o noticiário nos últimos dias viu que o escrito Luís Fernando Veríssimo foi internado em estado grave em um hospital no Rio Grande do Sul. Para espanto da maioria, a causa da internação foi a piora no quadro de uma simples gripe. Com 76 anos, Veríssimo foi derrubado pelo vírus influenza, mas, graças a Deus, recupera-se bem. Com alguma sorte, nos próximos dias deverá deixar o hospital bem e com saúde.

A notícia da internação de Veríssimo dá-me o mote para tratar de um tema normalmente negligenciado por boa parte das pessoas: a vacinação contra a gripe para idosos.

Todos os anos, especialmente quando se aproxima o período de inverno no Sul do país, os governos em todos os níveis promovem campanhas de vacinação contra a gripe. O alvo preferencial são os idosos, as crianças e as gestantes.

Por que tanta atenção contra uma doença com a qual convivemos por quase a toda a vida sem qualquer intercorrência?

Primeiro, pela letalidade. Pouca gente sabe, mas a maior causa de doenças e morte entre idosos é justamente a gripe. A razão disso é simples. Quanto maior a idade, menor é a eficácia da resposta do organismo à infecção pelo vírus influenza. Pra piorar, a doença diminui em quase 95% a imunidade de um indivíduo saudável. Se as armas contra os agentes externos já não é lá um Brastemp quando se passa dos 60 anos, maior é o risco quando mesmo essa capacidade é reduzida por causa da gripe.

Em segundo lugar, intimamente ligado à primeira razão, está o fato de que o governo gasta muito menos dinheiro vacinando a população do que tendo de cuidar dela nos leitos de hospital. Como todo médico e profissional de saúde gosta de repetir, prevenir é muito, mas muito melhor que remediar.

No caso de idosos, há ainda de se ressaltar a teimosia como fator agravante das doenças. Como o idoso normalmente é refratário quanto a dirigir-se a médicos, o quadro que se inicia com febre, dores de cabeça e catarro, tende somente a piorar, levando, por exemplo, a complicações graves, como pneumonia e doenças cardiovasculares. E, quando isso acontece, é mais difícil reverter o quadro na internação.

É fato, no entanto, que a vacinação não implica prevenção total contra o vírus da gripe. Para nossa infelicidade, o influenza é um dos vírus mais mutantes que existe. Como a vacina é produzida com base em uma cepa de determinada espécie de vírus, é possível que mesmo pessoas vacinadas fiquem doentes.

Mesmo assim, a vacinação faz sentido. Em que pese a possibilidade de contágio pela gripe, o sujeito vacinado terá uma resposta do sistema imunológico melhor do que quem não recebeu a vacina. Por isso, não deixe de levar os seus velhinhos para vacinar, de maneira que eles continuem ainda por muito tempo ao seu lado e com saúde.

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Trilha sonora do momento

Hoje, só essa do Phil Collins mesmo pra explicar o que aconteceu…

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