Como toda boa telenovela da vida real, a briga entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o bilionário dono do Twitter Elon Musk não poderia prescindir de um capítulo de encerramento. Já tendo abordado aqui as partes um e dois dessa batalha, talvez seja o caso de encerrar essa trilogia falando de uma temática que foi apenas abordada lateralmente nos posts anteriores: a legalidades das decisões de Alexandre “Xandão” de Moraes nesse imbróglio todo.
Do ponto de vista estritamente jurídico, a decisão sobre a suspensão do Twitter (ou do X, como queiram) tem muito pouco a ser atacada. Segundo o Marco Civil da Internet, toda empresa que ganhe a vida a partir da coleta de dados de usuários submete-se, obrigatoriamente, à legislação brasileira (art. 11 da Lei nº. 12.965/14). E, para que essa submissão possa ser aplicada na prática, o próprio Marco Civil da Internet determina que tais empresas devam manter representação legal no país (art. 12 da mesma lei).
A razão de ser da norma é óbvia, sob dois prismas distintos:
Primeiro, sendo os dados de navegação do usuário um “ativo” – isto é, um bem que pode ser apropriado economicamente para exploração por terceiros – não é de se espantar que o Brasil tenha direito a dar pitaco sobre a matéria. Ou alguém por acaso defenderia por aí, de cara limpa, que uma mineradora estrangeira pudesse cair de pára-quedas para explorar diamantes na Amazônia sem se submeter às leis nacionais?
Segundo, para que as eventuais determinações da Administração Pública ou do Poder Judiciário possam ser implementadas, é evidente que a empresa deve ter um cantinho para chamar de seu no Brasil. Do contrário, como fazer para fiscalizar as atividades da empresa, cobrar impostos ou reclamar indenizações em caso de descumprimento dos direitos dos usuários? Seria necessário toda vez mandar uma cartinha rogatória pedindo aos Estados Unidos que, pelo amor de Deus, intime a figura a cumprir as leis brasileira? É óbvio que não.
Assentadas essas premissas, resta claro que a manipulação do bilionário mimado do Twitter não passava de uma jogada claramente política. Tendo violado por reiteradas vezes as determinações para exclusões de posts ou usuários (para saber mais sobre os limites da liberdade de expressão, confira aqui), Musk esticou a corda até o ponto de não retorno quando decidiu retirar a representação da empresa que mantinha no Brasil. Restava a Xandão, portanto, somente aplicar a lei: suspender as atividades do Twitter por estas praias (art. 12, inc. III, do Marco Civil da Internet).
Daí pra frente, o que se viu foi o velho e surrado festival de desinformação patrocinado pela extrema-direita de sempre. Para além dos já batidos gritos de “abaixo à censura” e “contra a ditadura do Judiciário”, foi engraçado ver os supostos “patriotas” se alinharem a um bilionário forasteiro que atua abertamente contra as instituições do país. Usar Musk como “paladino da liberdade de expressão” é tão ridículo quanto orar pra pneu ou pedir intervenção alienígena para dar cabo ao “comunismo” no Brasil.
No fundo, a grande questão por trás das redes sociais e dos limites aos quais elas devem se submeter passa pela compreensão básica de como funciona o jogo nesse tipo de arena. Imagine, por exemplo, o sujeito erguer um estádio para explorar comercialmente o que se faz lá dentro. Se no campo tá rolando só jogo de futebol, beleza; o Estado assiste do lado de fora e deixa o pau cantar lá dentro.
Agora, se dentro dessa arena tem gente defendendo abertamente o nazismo (crime), trocando conteúdo de pedofilia (crime) ou articulando contra o Estado Democrático de Direito (crime também), ou o dono do estádio põe ordem no galinheiro, ou então a polícia entra para estourar a boca. No limite, ante a inércia do proprietário, interdite-se a bodega, até que o sujeito que quer ganhar dinheiro com a explorando-a resolva se submeter às leis brasileiras.
Claro, a decisão de Alexandre de Moraes não veio sem efeitos colaterais indesejados. Assim como no exemplo do estádio acima, muita gente usava o Twitter legalmente, para fins de informação e compartilhamento de pensamentos (inclusive este que vos escreve). Como não havia hipótese de a Justiça intervir diretamente para excluir somente os criminosos, só restou a alternativa de fechar a birosca por inteiro. E aí 20 milhões de usuários que não tinham nada a ver com a briga de Musk com Moraes tiveram de migrar para o BlueSky ou outro aplicativo assemelhado.
Terá sido esse o último capítulo dessa briga toda?
É difícil dizer. Afinal, para que o Twitter volte a ser liberado no Brasil, basta Elon Musk nomear um representante legal da empresa e cumprir as determinações do Supremo quanto à exclusão de determinados posts e usuários. Entretanto, como a Musk parece interessar somente a lacração típica dos extremistas, não é negligenciável a possibilidade de este tenha sido o fim da rede no país.
Seja como for, o importante é entender que, se você for realmente patriota, numa briga entre um bilionário mimizento e um ministro responsável por, quase sozinho, salvar a democracia brasileira, só há um lado ao qual se alinhar.
E, convenhamos, essa definitivamente não é uma escolha muito difícil…