A política externa de Lula III

Se na política nacional pouca coisa andou desde o 1º de janeiro (excetuando, é claro, o dia 8 do mesmo mês), na política internacional já é possível dizer que bastante coisa está diferente em relação ao que ocorria no desgoverno Bolsonaro. Antes reduzido “orgulhosamente” à condição de pária, o Brasil voltou ao mundo, assim como os Estados Unidos voltaram quando Trump tomou o caminho da Flórida.

Em pouco mais de quatro meses de governo, Lula já recebeu e/ou foi recebido por mais chefes de Estado do que Bolsonaro em quatro anos. Pela ordem de grandeza, Lula já tratou pessoalmente com os líderes de Estados Unidos, China e União Européia. Mais que isso, Lula retomou as relações praticamente rompidas do Brasil com a Argentina, seu maior vizinho e parceiro histórico. Não é nada, não é nada, já se pode dizer que temos pelo menos relações normalizadas com o restante do planeta, mercadoria que andou em falta no quadriênio demencial de Ernesto Aráujo, quando o país ficou quase na condição de uma “sub-Coréia do Norte”.

No entanto, como diria Bentinho em Dom Casmurro, vida diferente não quer dizer vida melhor; é outra coisa. Se é verdade que hoje o Brasil não é mais espinafrado e olhado com desprezo pela comunidade internacional, também é verdade que a maior parte da nossa agenda internacional permanece travada por interesses vários e incompetência nossa.

Lula foi aos Estados Unidos e, fora as fotos com Joe Biden, voltou de mãos abanando. Logo ele, que prometera US$ 20 bi para que o Brasil “parasse de destruir a floresta”, deu apenas mirrados US$ 50 mi para o Fundo Amazônia. Da China, Lula voltou com 13 promessas firmadas, mas, como a experiência chinesa ensina, convém colocar as barbas de molho. Dilma foi à China em seu primeiro mandato e de lá voltou com a promessa de instalação de uma fábrica de semicondutores e a produção nacional de Iphones. Mais de uma década depois, os brasileiros continuam comprando Iphones fabricados na China. Quanto ao acordo União Européia-Mercosul, bem… os europeus prometeram a assinatura para, quem sabe, o final deste ano. Isso, claro, se não chover…

Para além dos poucos resultados práticos de suas investidas internacionais, o fato é que Lula não parece ter definido um rumo claro de para onde deseja levar o país na arena internacional. Quem sabe incensado pelo bando de acólitos a puxar-lhe diuturnamente o saco, Lula parece ter enxergado numa miragem a possibilidade de ser nomeado ao Nobel da Paz. Só isso pode explicar a maneira atabalhoada com a qual pretendeu entrar de árbitro no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Sem ter qualquer lugar de fala no conflito – pois o Brasil não é uma potência militar mundial, não é aliado e nem sequer principal parceiro comercial de qualquer das partes -, o presidente brasileiro achou por bem dizer que a “culpa” pelo conflito era dos dois, só para logo depois ser obrigado a voltar atrás e reconhecer a responsabilidade russa pela guerra. Pra piorar, Lula ainda sentiu-se à vontade para distribuir caneladas nos Estados Unidos e na União Européia, responsabilizando ambos pela continuidade do conflito. No meio dessa metralhadora verbal, sobrou até para o dólar, como se o status dominante da moeda derivasse de algum capricho norte-americano, e não de condições históricas e macroeconômicas que simplesmente impõem as verdinhas como reserva de valor mundial.

É claro que o Brasil não irá a lugar algum atiçando os brios de seus principais parceiros, muito menos repetindo raciocínios toscos, baseados em um esquerdismo infanto-juvenil que já era velho e ultrapassado no milênio passado, quanto mais na segunda década do século XXI. Para negociar com a China, o país não precisa bater nos Estados Unidos e na Europa. Pelo contrário. Quando Henry Kissinger propôs a Richard Nixon trazer a China maoísta de volta ao mundo, ele sabia muito bem qual era seu plano de vôo. A triangular diplomacy pretendia fincar uma estaca no meio da aliança comunista entre Rússia e China, de modo a obter os melhores acordos possíveis tanto de uma quanto da outra.

Se é isso que Lula pretende, beleza. Tempo ainda há, de sobra. Mas é preciso pensar mais antes de falar, arquitetar mais antes de pensar, e, antes de tudo, ter a exata noção do tamanho do é que você calça. Do contrário, toda a simpatia que o seu governo ganhou gratuitamente pelo simples fato de não ser o governo Bolsonaro está arriscado a perder-se em um mundo inútil de intrigas e vaidades.

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