Bola no chão: o cenário para a eleição de outubro

Faltando 40 dias para a eleição, parece esta ser uma boa altura para tentar iluminar o caminho que se avizinha daqui até o próximo pleito presidencial. Se até agora o que havia era conversas de bastidores e campanha eleitoral disfarçada (pode me chamar de “pré-campanha”), agora não há margem para tergiversações: o que haverá daqui pra frente é pura pancadaria. E, a julgar pelo histórico de alguns candidatos envolvidos, MMA vai parecer brincadeira de criança perto do que está por vir.

O grande problema de analisar cenários político-eleitorais, especialmente em um ambiente tão polarizado quanto o nosso, é a armadilha pregada pela nossa mente, de sempre procurar ajustar os fatos de maneira a que se adequem à nossa interpretação, sempre sujeita às idiossincrasias da vida que nos moldou. Trata-se daquilo a que os psicólogos convencionaram chamar de “viés de confirmação”. Até certo ponto, qualquer interpretação está sujeita à visão de mundo de quem analisa a questão. Todavia, tal circunstância não pode se transformar em escusa para que o sujeito torture os fatos e dobre-os ao seu bel prazer.

Para escapar da saída fácil de querer enxergar somente as coisas que nos convém, o melhor remédio é colocar a bola no chão, isto é, estabelecer aquilo que é fato, para somente então levantar dúvidas. Com alguma sorte, é possível unir uma coisa à outra e extrair pelo menos algum sentido nesse mar de confusão que nos rodeia.

Vamos, primeiro, aos fatos:

1 – Lula está na frente em todas as pesquisas:

A menos que você seja integrante de algum grupo de zap profundo, ou defenda teses paranóicas de uma grande conspirata globalista do marxismo cultural, liderada pelo Papa Bergoglio com o auxílio de Bill Gates e George Soros, o torneiro bissílabo de São Bernardo encontra-se em primeiro lugar na preferência do eleitorado. Com uma margem cada vez menor no primeiro turno, é verdade, mas com relativa estabilidade na dianteira no segundo turno, sempre com uma vantagem de dois dígitos sobre Bolsonaro.

2 – A rejeição a Bolsonaro é muito elevada:

Aplicando-se aqui a mesma ressalva do item anterior, o fato é que a rejeição ao atual Presidente da República não encontra paralelo, pelo menos no Brasil, entre incumbentes presidenciais que tentam a reeleição. Na maior parte das pesquisas sérias (Ipec, Ipespe, Datafolha, Quaest e FSB, por exemplo), a taxa de rejeição do Presidente é superior a 50%. Virtualmente, isso significa que qualquer um que concorresse contra ele venceria a contenda, pois mais da metade da população se recusa a votar nele.

3 – A terceira via não se viabilizou:

Para tristeza de muitos, inclusive deste que vos escreve, a propalada e tão aguardada “terceira via” não se concretizou. Houve, claro, um problema de timing. Entre tanta guerra de egos e disputa de vaidades, parece claro que o pessoal da “terceira via” deixou o cavalo passar selado, sem que se chegasse a um acordo de quem deveria montá-lo. Enquanto Doria disputava com Eduardo Leite, Pacheco tentava fazer cosplay de JK e Sérgio Moro caía no conto do vigário do União Brasil. Resultado: só Simone Tebet sobrou na pista, renegada pelo próprio partido e sem conseguir animar sequer Tasso Jereissati a ser seu vice. Com Ciro Gomes correndo em pista própria – e paralela, pois sem qualquer chance de vitória -, resta ao eleitor brasileiro escolher entre Lula e Bolsonaro para governar o país pelos próximos quatro anos.

Estabelecidos esses fatos, resta as dúvidas:

1 – Qual será o impacto da propaganda eleitoral no rádio e na TV nas pesquisas?

Muitos analistas e políticos anseiam pelo começo da propaganda no rádio e na TV, como se, de algum modo, eles pudessem se transformar em um turning point das eleições. Quem acompanha o Blog há mais tempo, contudo, sabe bem qual a opinião deste que vos escreve sobre isso. Salvo nas eleições de 2014, quando a máquina petista de Dilma Rousseff destroçou Marina Silva com um ataque incessante de fake news, não há registro relevante de alterações nas intenções de voto por conta do início da propaganda eleitoral. A uma, porque os principais candidatos já são por demais conhecidos pelo eleitorado. A duas, porque a propaganda eleitoral basicamente tem se resumido à venda de um produto pasteurizado, embora com assinatura de marqueteiro de grife. E a três porque, convenhamos, ninguém mais assiste televisão. Alguma inserção poderá viralizar e mudar um número significativo de pontos? É possível. Porém, não é provável.

2 – Os efeitos da PEC Kamikaze já foram “precificados” pelo eleitorado?

Quando Paulo Guedes aceitou ser atropelado pelo Centrão e chutou balde da fantasia liberal que o governo orgulhosamente ostentava em seu discurso, deu-se ao fenômeno o nada pomposo nome de “PEC Kamikaze”. A lógica era simples: distribuem-se bilhões às vésperas da eleição, na esperança de que os beneficiados com os inúmeros auxílios bancados pelo déficit público retribuam a graça em forma de votos na eleição. Até agora, contudo, nada disso aconteceu. Os ponteiros dos votos nas classes mais baixas da população mal se mexeram, e todas as pesquisas apontam uma liderança folgada de Lula nesse estrato social. Os 40 dias que restam até o pleito de outubro serão suficientes para que as bondades criadas pela PEC Kamikaze façam algum efeito, ou os possíveis efeitos, se é que eles existem, já foram absorvidos por quem tenderia a mudar de voto? Quem acompanha o Blog sabe qual é a opinião a respeito disso.

3 – Os eleitores de Ciro adotarão a estratégia do voto útil, ou seguirão com seu candidato até o fim?

Aqui está talvez a grande charada dessa eleição presidencial. Do lado de Bolsonaro, a estratégia é clara: jogar a disputa para o segundo turno e, nele, demonizar Lula e o PT como encarnação do diabo na esperança de que, numa guerra de rejeições, prevaleça novamente o antipetismo. Todavia, os pontos que Bolsonaro tem conseguido subir nas pesquisas até agora foram todos colhidos em solo favorável, isto é, entre bolsonaristas arrependidos que regressaram ao rebanho e simpatizantes da terceira via que nutrem verdadeira aversão ao PT. Lula, entretanto, segue impávido com seus 45-47% dos votos no primeiro turno, o que indica que, até o momento, a campanha bolsonarista não conseguiu converter petistas em anti-petistas. Pior. Com esse grau de acirramento, não é desprezível a possibilidade de que eleitores de Ciro Gomes, preocupados com a possibilidade de um segundo turno entre Lula e Bolsonaro, resolvam adiantar o voto no babalorixá petista do segundo turno para o primeiro. Se apenas 1/3 dos eleitores de Ciro fizerem isso, a parada pode se decidir logo na primeira ronda, sem que se chegue à segunda volta.

Com a bola no chão, portanto, é possível antever o que nos espera até o dia 2 de outubro. Mas, entre tantas dúvidas, há uma certeza: até lá, haverá choro e ranger de dentes.

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