Quem é mais velho vai lembrar.
Houve um tempo em que a moeda brasileira trocava de nome a cada ano. A hiperinflação corroía o valor real do meio circulante, mas quem tinha conta em banco recorria ao overnight pra não entrar em perrengue. Quando a coisa alcançava patamares esdrúxulos, como sair para comprar o pão na padaria com uma centena de milhar duma moeda qualquer, cortavam-se três zeros da moeda e seguia-se em frente, até que o ciclo fosse reiniciado pouco tempo depois. Eram os tempos do “Dragão Inflacionário”. Eram os tempos da “correção monetária”. E eram os tempos de “deixar o dinheiro na poupança”.
Pois esses tempos acabaram.
Pela primeira vez na sua história econômica recente – e isso envolve retroceder até antes da ditadura militar -, o Brasil experimenta, a um só tempo, juros baixos, inflação baixa e câmbio competitivo. E a pergunta que fica é: como chegamos até aqui?
Obviamente, não foi da noite pro dia que esse “milagre” aconteceu. Pode-se dizer que o primeiro passo dessa longa jornada começou em julho de 1994, quando o Plano Real foi lançado. Noves fora os inúmeros equívocos na sua implementação, na qual o “populismo cambial” assume papel de destaque o fato é que o Real devolveu à população o conceito de moeda como “reserva de valor”. Até então, guardar dinheiro era sinônimo de guardar papel. Ao final de uma vida de reservas, você teria muitos maços para escrever, mas dificilmente conseguiria comprar alguma coisa com eles.
Para além de resgatar o valor da moeda, a grande sacada do Plano Real foi operar a desindexação da economia (para saber mais, clique aqui). Tendo passado quase trinta anos de sua vida viciado em correção monetária – “um instrumento de primeira para economias de quinta”, como gostava de repetir seu criador, Roberto Campos -, o Brasil parecia não saber mais como sair da armadilha de corrigir a inflação futura pela passada. O rompimento da “inflação inercial” foi o passo definitivo rumo à estabilização monetária.
Posteriormente, o Governo Lula deu outro grande passo na direção da nossa estabilização financeira ao resolver o problema do endividamento externo. Vivendo em um país que já passara duas vezes por moratórias com o FMI, o Brasil enfim tornara-se credor em dólar. O pagamento de praticamente todo nosso passivo externo público e a acumulação de reservas de US$ 360 bilhões transformaram o mote “Não vamos pagar a dívida externa” numa mera lembrança fugidia do passado.
Depois da débâcle generalizada do Governo Dilma, os governos Temer e esse início de governo Bolsonaro pelo menos não pioraram a situação. Utilizando-se inteligentemente da situação adversa da economia real – que passou pela maior crise de sua história e que, agora, experimenta a recuperação econômica mais demorada de todos os tempos -, ambos os governos, Temer e Bolsonaro, assumiram o compromisso de controlar as despesas públicas. Pode-se discutir o mérito de algumas das medidas adotadas, como o Teto de Gastos e a a Reforma da Previdência, mas seria equivocado negar que as medidas adotadas apontam para o caminho certo: reduzir o peso do Estado na economia.
Com uma economia deprimida, com a inflação inercial desmontada e sem passivos externos que nos inquietem, o Banco Central pôde dar passos cada vez mais ousados no sentido da normalização das taxas de juros praticadas por aqui. Quando praticamente todas as gerações antes de nós conviveram com juros reais de dois dígitos, alcançamos patamares ridiculamente baixos para o que a nossa história econômica esteve acostumada a vivenciar. Melhor. Não há, no horizonte observável, qualquer motivo para pensar que os juros voltarão aos patamares de duas décadas atrás.
Essa mudança de paradigma pode enfim transformar a matriz macroeconômica brasileira. Se todo brasileiro um dia aprendeu que o melhor modo de investir o seu dinheiro era aplicar em renda fixa – rendimento elevado, com risco zero -, agora a alternativa para multiplicar o capital invariavelmente vai recair na renda variável.
Nesse cenário, ações, títulos privados e outras modalidades mais arriscadas tendem a ganhar cada vez mais atratividade, dada a morte por inanição das modalidades preferidas desde sempre (CDBs e poupança). Não por acaso, a Bolsa de Valores bate recorde atrás de recorde. Não se trata de uma mudança real na economia de fato, que continua deprimida, mas de um movimento mais amplo de realocação de capitais, em especial dos investidores institucionais (Fundos de Investimento e de Previdência).
Tudo, claro, pode mudar. E o principal fator de risco é, sim, ela: a política. Com o risco institucional ainda presente de maneira tão intensa, o investidor estrangeiro continua com o pé atrás, sacando dinheiro em volumes nunca vistos nestas paragens. Só neste ano, saíram do país quase US$ 40 bi. Isso representa o dobro do que foi sacado em 2008, quando houve o grande crash das bolsas americanas.
No entanto, se as instituições voltarem a funcionar e o risco de descarrilamento for definitivamente afastado, o Brasil pode, sim, estar entrando enfim para o clube das economias desenvolvidas.
Vamos ver, contudo, se o Bom Deus vai nos ajudar nessa…