Tudo junto e misturado: Lula livre; Golpe na Bolívia; Nova constituinte?

Vivemos numa época em que uma semana de ausência equivale a quase um ano de notícias. Tal é a conclusão deste pobre blogueiro que vos escreve depois de ter involuntariamente de ausentar-se na quarta passada do nosso tradicional post semanal. Como os assuntos que se desenrolaram nestas últimas duas semanas foram tão impactantes e relevantes, seria uma temeridade deixá-los para uma abordagem única, fato que redundaria sem dúvida numa análise demasiadamente distante no tempo.

Assim, para não perder o fio da meada e poder falar de cada um deles ainda a tempo de que a análise não se perca pela inutilidade, vamos recorrer a uma abordagem rara neste espaço. Ao melhor estilo juntos and shallow now, analisaremos um a um os fatos mais importantes da última quinzena em tópicos separados dentro do mesmo post.

Vamos a eles.

Lula livre

Bolsa pra baixo, dólar pra cima, juros na altura e mercado financeiro em pandemônio. Sim, o “responsável” por isso não poderia ser outro senão Luís Inácio Lula da Silva. Depois de o STF mudar pela quinquagésima terceira vez o seu entendimento acerca da possibilidade de execução de pena após condenação em segunda instância, o líder petista finalmente saiu do cárcere em Curitiba depois de amargar 580 dias de cana.

Do ponto de vista jurídico, o resultado deve ser apenas aplaudido. Regressando a uma interpretação mais fiel à Constituição (quem quiser entender o porquê, basta clicar aqui), o Supremo disse o óbvio: não se pode falar em execução antecipada de pena de quem ainda tem direito a recorrer da sentença. Ou o sujeito está preso preventivamente, ou então que se aguarde o trânsito em julgado da condenação para poder executar-lhe a pena. Qualquer coisa fora disso é mera violação do texto constitucional. Simples assim.

Do ponto de vista político, fez-se o escarcéu esperado, tanto de um lado quanto de outro. Enquanto a “direita” vociferava contra a decisão do STF e repudiava a soltura do “presidiário criminoso”, na esquerda Lula dava o tom do que virá pela frente: a retomada do ambiente de polarização que acabou com Bolsonaro presidente em 2018.

Ainda é cedo para fazer prognósticos, mas o fato é que, com Lula solto, Bolsonaro enfim deve enfrentar uma oposição digna do nome, porque a que aí está parece ter sido colocada em estado de animação suspensa desde o pleito passado, tal é a catatonia e a incapacidade de articulação que demonstra desde então.

Por outro lado, não há qualquer razão para achar que, agora que Lula está livre, o jogo está jogado para o governo. Claro que a libertação de um líder carismático como o torneiro bissílabo de São Bernardo depois de tanto tempo de cadeia provocaria euforia no campo progressista. Não se deve, no entanto, confundir-se a catarse inicial com a real capacidade de articulação política do babalorixá petista. Lula está livre, sim, mas ainda é ficha suja, ostenta uma dezena de processos criminais nas costas e lutará contra uma força política que lhe é antípoda, a qual não hesitará em manusear a caneta do poder para virar o jogo a seu favor.

Muita água há de rolar, portanto, até que tenhamos um cenário mais claro sobre o que virá pela frente.

Golpe na Bolívia

Tanques nas ruas, comandante das Forças Armadas pedindo renúncia na televisão e presidente voando às pressas de seu país para o exílio no exterior. Se isso que aconteceu na Bolívia não puder ser chamado de golpe, nada mais será. É claro que Evo Morales não era flor que se cheirasse. Mas daí a “achar bom” ou “apoiar” uma típica quartelada de republiqueta de bananas latino-americana vai uma grande distância.

Parece evidente que Evo caiu pela mesma razão pela qual caem todos os regimes cesaristas ou de vocação “semi-democrática”, por assim dizer: fadiga de material. Depois de quase uma década e meia no poder, ninguém mais aguentava o ex-líder cocalero firmar-se para mais um mandato presidencial. O referendo popular que lhe negara a possibilidade de concorrer a um quarto mandato deveria ter-lhe servido de alerta sobre a impaciência da população a expedientes caudilhescos que buscam contornar os mecanismos democráticos. Evo, entretanto, não deu bola pro aviso. Contornou a decisão do referendo através da mão amiga de um Judiciário sempre dócil ao Executivo de plantão (como de resto parece hábito na América Latina) e, pra terminar, resolveu fraudar a eleição de maneira a garantir uma improvável vitória em primeiro turno. Deu no que deu.

Uma coisa, porém, é contestar as práticas anti-democráticas de Evo Morales. Outra, bem diferente, é achar que colocar o Exército na rua para derrubá-lo possa ser algum tipo de remédio para a crise (como se militar derrubando presidente resolvesse pelo menos o engarrafamento da Av. Santos Dumont). A melhor saída, dadas as circunstâncias, seria o Judiciário intervir para anular o último pleito por fraude e, respeitando a soberana decisão do referendo anterior, determinar que Evo não poderia concorrer novamente à cadeira de presidente. A Constituição boliviana não seria violada e não teríamos mais uma quartelada bananera por estas bandas.

Um dia triste, enfim, para esta tão sofrida Latinoamérica.

Nova Constituinte?

Como acontecimentos infelizes ocorrem em série, eis que, no meio da balbúrdia regional da América Latina e institucional no Brasil, sai da boca do Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, a “palavra milagrosa” para todos os males da Nação: “Nova Constituinte”.

De início, a idéia seria propor uma nova constituinte apenas para tratar da questão da prisão em segunda instância. Como o art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal encerra uma cláusula pétrea, seu conteúdo não pode sequer ser objeto de proposta de emenda constitucional (art. 60, §4º, inc. IV, CF/88). Logo, a “solução” seria convocar uma nova Assembléia Nacional Constituinte para fazer a mudança que os congressistas estão ora impedidos de fazer.

Além do despautério de convocar-se uma “constituinte exclusiva” para deliberar sobre um tema tão banal (para quem quiser entender os problemas de uma constituinte exclusiva, favor clicar aqui), parece óbvio que ninguém está nem aí para os 5 mil e tantos presos que foram libertados pela decisão do STF. O “problema” está, sim, nele, ele mesmo: Lula. Sendo esse o caso, é “melhor” jogar aberto e promover logo uma legislação que casse o PT e impeça o ex-presidente de concorrer novamente à Presidência. Do contrário, o que se terá será somente mais um casuísmo dentro os inúmeros que permeiam a nossa legislação desde sempre.

Pior que uma “constituinte exclusiva” apenas uma constituinte modo full on total attack que jogasse fora o texto de 1988. O Brasil colocaria de lado um instrumento desenhado sob a benfazeja atmosfera de redemocratização pós-ditadura militar para lançar-se no vácuo e produzir um texto constitucional em um dos mais conturbados cenários de conflagração política de que se tem notícia. Para além disso, quem quiser defender tal maluquice arrasta para si o ônus de demonstrar, a priori, que um texto produzido por Delegado Waldir, Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis seria melhor do aquele produzido por Afonso Arinos, Mário Covas e Ulysses Guimarães.

O Brasil não precisa de numa nova constituinte. Precisa é que o Congresso faça seu trabalho.

Quanto à Constituição, vai bem, obrigada.

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