Não é de agora que economistas dos mais variados matizes e até mesmo a mídia especializada vêm tratando a Reforma da Previdência como a grande panacéia do país. Patinando desde o começo da década, quando Dilma Rousseff assumiu o país e nos conduziu à pior recessão da história, a economia passo por um clico desastroso desde pelo menos 2013, buraco que se aprofundou com o governo Michel Temer e cujo fundo ainda não se enxerga neste governo Bolsonaro. O desespero é tamanho que muita gente boa já se pergunta se não deixamos o processo recessivo para atrás para nos afundarmos numa depressão econômica, daquelas que marcam – tristemente – a história de um país.
E a pergunta que o cidadão comum deve estar a se fazer aos seus botões neste momento é: “A Reforma da Previdência vai de fato virar esse jogo?”
Para responder a essa pergunta, voltemos um pouco no tempo.
Em maio de 2017, Michel Temer já tinha oito meses de mandato e navegava em mares tranquilos na seara política. Depois de atuar decisivamente no impeachment, o ex-vice-presidente da República reorganizou a mesma base que derrubara Dilma Rousseff no que ele próprio chamaria de “Presidência semi-parlamentar”. Tratorando os partidários da ex-presidente – subitamente devolvidos à oposição -, Temer conseguira quase 2/3 do Congresso para aprovar a draconiana “PEC do Teto” e estava na bica de aprovar a sua reforma da Previdência. Foi quando o áudio do Jaburu veio à tona e derrubou de fato o seu governo (embora não o tenha derrubado de direito).
Dois anos depois, a situação é mais ou menos a mesma. Estamos afundados numa recessão, a retomada prometida foi para as calendas e não se discute mais quanto o PIB vai subir este ano, mas, sim, se ele vai subir este ano. Na outra banda, a “grande solução para todos os nossos problemas” continua sendo a reforma da Previdência. Desta feita, a elaborada pelo “Posto Ipiranga” Paulo Guedes, com a famosa “conta do trilhão”, sem a qual a reforma não teria “potência” resolver a questão fiscal brasileira.
Deixe-se de lado, por ora, toda a discussão acerca do “déficit” da Previdência (se existe ou não existe; se é grande ou se é pequeno; etc.). Deixe-se de lado, também, o fato de que já estamos na nossa quarta reforma do sistema previdenciário em pouco mais de duas décadas (uma com Fernando Henrique, uma com Lula e outra com Dilma). Deixe-se de lado até o mistério acerca dos cálculos do tal R$ 1 trilhão da equipe de Paulo Guedes, sobre os quais, de maneira inexplicável, foi decretado sigilo de Governo.
A pergunta é:
“A Reforma da Previdência vai trazer de volta o crescimento econômico?”
E a resposta é clara com a água:
“Não”.
Ainda que a Reforma da Previdência seja aprovada exatamente como foi enviada ao Congresso – o que, além de ser uma improbabilidade estatística, configura uma temeridade política -, os efeitos da “conta do trilhão” envolvem redução atuarial de despesas no horizonte de uma década. E é justamente no terço final desse período – ou seja, já chegando em 2030 – que a maior parte da economia com despesas previdenciárias seria gerada. Logo, é no mínimo inocente acreditar que, uma vez aprovada a Reforma, no dia seguinte estaremos bombando um crescimento chinês.
Fora isso, como qualquer estudante de Economia sabe, o que produz crescimento não é mudança no texto constitucional. O que produz crescimento é demanda. E a demanda, por definição, só pode vir de dois lados: do setor público e do setor privado. O setor público encontra-se na pindaíba, no mais baixo patamar de investimentos da história. E, mesmo com a Reforma da Previdência, não se veria folga no orçamento senão ao final de um hipotético segundo mandato de Bolsonaro. Por isso, não há razão para crer em impulso econômico a partir da demanda governamental antes de 2028.
No lado do setor privado, a demanda continua reprimida. A uma, porque o consumidor, cada vez mais endividado, esconde-se dos cobradores e está preocupado com o seu emprego, pois já são 13 milhões os que estão alijados de ocupação. A duas, porque a indústria encontra-se com a maior capacidade ociosa de sua história, circunstância que naturalmente inibe novos investimentos.
O blá-blá-blá em torno da retomada econômica a partir da Reforma da Previdência, portanto, constitui empulhação reles diante de uma economia deprimida pela falta de demanda nas suas duas principais pernas: o Governo e os agentes privados. Não por acaso, economistas de grandes bancos de investimento já começaram a ajustar o seu discurso dizendo que “só a Reforma da Previdência não vai resolver nossa situação”.
Na verdade, o grande nó da Economia passa pelos juros, não pela Previdência. Depois da Previdência, a maior despesa do Governo é com os juros pagos aos rentistas. A diferença é que, no primeiro caso, o dinheiro das pensões injeta dignidade na pobreza e ajuda a sustentar que muito trabalhou para gozar algum descanso na velhice. Na outra ponta, o dinheiro só serve para engordar as contas de quem não empurra um prego numa barra de sabão.
Para além disso, consumidores encalacrados com dívidas jamais tirarão seu nome do SPC enquanto estiverem a lhe cobrar 400% a.a. no cheque especial. Industriais e comerciantes tampouco se sentirão tentados a investir na ampliação de seus negócios enquanto a taxa de juro real da economia for superior à taxa de retorno dos investimentos em capacidade instalada.
Ou o Brasil se dá conta de que o principal problema do país não são os velhinhos que recebem aposentadoria, mas os gatos gordos da Faria Lima, ou então daqui a cinco anos estaremos discutindo como aprovar pena de trabalhos forçados para quem está aposentado.
Afinal, não haverá mais o que se reformar.