Voltando à labuta aqui no Blog depois dos festejos de Ano Novo, vamos retomar com um assunto da hora: a politização dos juízes.
Não se trata, claro, de algo novo. Desde que o tal de “neoconstitucionalismo” veio dar as caras por estas bandas, já se insinuava algo do gênero. Na sua vertente mais comum, essa exótica corrente doutrinária aparecia como assombração de vez em quando na forma de “ativismo”. Numa derivação completamente deturpada do fenômeno norte-americano, juízes em geral – e o STF, em particular – sentiam-se autorizados a reescrever o texto constitucional sempre que as normas legais não conduzissem ao resultado por eles desejados. Invariavelmente, o disfarce para esse voluntarismo dava-se através dos “princípios da Constituição”, seja lá o que os magistrados entendessem por isso.
Parece claro que, quando um juiz sai de seu casulo para tomar de assalto o lugar do legislador, haverá aí alguma forma de manifestação política. Afinal, para sobrepor a sua vontade à do Congresso ou à do próprio constituinte, o julgador deve antes fazer uma opção sobre qual seria “a melhor norma” para resolver determinado conflito. E aí, quando se abandonam critérios exclusivamente jurídicos para formular juízos de conveniência e oportunidade do que seria “o melhor” para determinado assunto, precipitamo-nos inescapavelmente numa decisão “política”.
Com algumas idas e vindas desde o final dos anos 90 até agora, esse tem sido o panorama da atuação do Poder Judiciário no Brasil. Nos últimos tempos, contudo, a coisa parece ter mudado de patamar. E para pior.
Desde quando Sérgio Moro resolveu abandonar a toga pra se tornar Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, alguma coisa mudou nos céus de Brasília (e não foram os aviões de carreira). Se antes ninguém discutia que o trabalho de um juiz era técnico e baseado na firme convicção que o magistrado tinha sobre as provas e sobre as leis, agora paira a dúvida se as decisões judiciais não são, de alguma forma, um modo de projeção midiática do magistrado com vistas a tentar uma carreira política.
Os colegas de Sérgio Moro, claro, não colaboram pra desfazer essa impressão. Marcelo Bretas, por exemplo, o juiz responsável pela Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, teve um encontro semi-secreto, sem razão aparente e sem agenda declarada, com um dos filhos do presidente eleito. Fora isso, Bretas não viu problema algum em tomar carona em um dos aviões da FAB, juntamente com o governador eleito do Rio, para assistir à posse de Bolsonaro. Se isso não fosse o bastante, o juiz carioca sentiu-se à vontade até para mandar indiretas pelo Twitter, tachando de “oportunistas” e “prematuras” as críticas ao presidente eleito.
A grande questão por trás dessa “partidarização” do Judiciário é o risco de comprometimento da credibilidade do próprio Poder. Uma das razões pelas quais o Brasil optou por concursos públicos e não eleições para cargos de juiz foi justamente para garantir que os seus julgamentos fossem técnicos. É o primado da imparcialidade na aplicação da lei que confere aos juízes a indispensável legitimidade para atuar de forma livre, à margem de qualquer pressão política. Se isso for perdido, com qual autoridade as decisões judiciais serão cumpridas daqui pra frente?
O problema, portanto, é acabarmos caindo numa situação em que as decisões judiciais serão confrontadas da mesma forma com que o são as decisões políticas: “Ah, Fulano só decidiu isso porque é petista!”; “Ah, Cicrano só fez isso porque apóia o Governo!”. No momento em que isso acontecer, todo o respeito que o Poder Judiciário levou anos para construir frente à população será jogado fora.
Porque, como dizia o comercial, credibilidade é que nem estilo:
Ou você tem, ou você não tem.