Lá se vão 10 dias da tragédia, mas as marcas do incêndio perdurarão por muito mais tempo do que isso. Em pouco menos de uma noite, o patrimônio cultural, antropológico e natural da mais antiga instituição científica do Brasil foi reduzido a cinzas. Do imponente prédio do antigo Palácio São Cristóvão não restaram mais do que paredes fumegantes e uma pergunta inescapável: “Por quê?”

Incêndio do Museu Nacional
A primeira reação, claro, veio nas redes sociais. E, como sói acontecer nesses casos, veio na forma de uma fúria insensata, fruto da estupidez reinante nesse tipo de meio. Para além de teorias conspiratórias completamente sem noção, houve gente que veio associar a tragédia ao histórico partidário do reitor da UFRJ (filiado ao PSOL) e até mesmo quem se dispusesse a calcular o custo de manutenção do museu frente aos gastos com o salário anual de um juiz. Sem meias palavras, trata-se de empulhação das brabas.
Em primeiro lugar, não passa pela cabeça de ninguém que um pesquisador cuja vida foi dedicada à pesquisa científica tenha destruído seu objeto e lar de estudo apenas para mostrar que estava certo. Por maior que sejam as agruras de um cientista no Brasil – e elas não são poucas – nem o mais louco dos pesquisadores atearia fogo a um museu somente para chamar atenção pro caso.
Em segundo lugar, a filiação partidária do reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro é a coisa menos importante a se discutir nesse momento. Ele poderia ser filiado ao PFL, à UDN ou à Liga das Escolas de Samba. Nada disso mudaria o fato de que o museu precisava de reparos e eles não estavam sendo dados. “Até onde ia a responsabilidade no reitor pela manutenção do museu?”, é a pergunta a ser feita. De resto, associar a tragédia a uma suposta incompetência da esquerda na administração do patrimônio público é algo que só pode prosperar no ambiente putrefato deste Brasil pré-eleições.
Em terceiro lugar, não tem o menor sentido fazer o cálculo do custo do museu com o salário anual de qualquer servidor público, muito menos de um juiz. Somente a estupidez alienante de quem nunca estudou algo parecido com contas públicas pode querer comparar o gasto de custeio com servidor de outro Poder (Judiciário) com a soma gasta para manter um patrimônio público (responsabilidade do Executivo). É algo tão bizarro quanto comparar banana com trufa. A menos que se pretenda sair por aí demitindo servidores de outros poderes para fazer frente às necessidades de um Executivo que não consegue manejar sequer o próprio orçamento, a discussão nessas bases não tem pé nem cabeça.
Na verdade, boa parte da comoção pública com o incêndio do Museu Nacional, localizado na belíssima Quinta da Boa Vista, revela um mis-en-scène de boa parte dos supostos indignados. Na hora da tragédia, todos são pelas Artes e pela Cultura. Mas, em condições normais de temperatura e pressão, a imensa maioria dos brasileiros não dá a mínima nem a uma nem a outra.
Basta perguntar para algum conhecido: “Qual foi a última vez que você foi a um Museu?” Salvo os viajantes frequentes que costumam atravessar o Atlântico para visitar sítios culturais em outro hemisfério, a resposta será um rotundo: “Não lembro”. Dentre as expressões culturais do país, brasileiro só costuma desfrutar quando elas vêm acompanhadas de feriados (carnaval ou festas juninas, por exemplo). No mais, tudo aquilo que se entende por “Cultura” fica restrito à Sétima Arte e, mesmo nesse caso, àquilo que se produz fora do país.
Por isso mesmo, há um quê de hipocrisia em toda a lamúria pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Não só porque pouquíssima gente sequer visitou um dia o lugar, mas principalmente porque ninguém leva a Cultura a sério na hora que mais importa: no momento de depositar o voto na urna. Quantas vezes você levou em consideração as propostas para a área na hora de escolher um candidato? Um caso exemplifica bem a miséria que vivemos:
Em Sobral, construiu-se um grande hospital público. Nada havia nele, mas se impunha, por razões eleitorais, a “inauguração” da obra. Cid Gomes era o governador do Ceará. Gastou-se, então, R$ 650 mil (dinheiro de 2013) para contratar Ivete Sangalo para cantar na inauguração. Ou seja: ao invés de se gastar mais de meio milhão de reais com Cultura de verdade, preferiu-se chamar uma cantora renomada para entreter a massa por hora e meia. Ivete cantou, o povo aplaudiu e, dois meses depois, a marquise do Hospital (ainda sem funcionar) caiu por má construção. Cinco anos mais tarde, Cid Gomes é candidato a senador e lidera disparado as pesquisas.
“Por quê?”
Porque Ivete dá voto.
E Museu, que é bom, não…
Perfeito texto e aplicação!
Muito obrigado, Jeferson. Um abraço.