Chegando ao final desta semana, vamos recordar um antigo post sobre uma das seções mais incompreendidas deste espaço: a sempre tão desprezada Religião.
E talvez compreender a razão pela qual há cada vez menos padres espalhados pelo mundo…
A questão do celibato
Publicado originalmente em 11.10.11
No Brasil, há tempos as pesquisas demonstram que o número de católicos é cada vez menor. À exceção da África subsaariana, no mundo inteiro ocorre o mesmo fenômeno: pessoas abandonam o catolicismo e aderem a novas religiões ou, ainda, tornam-se simplesmente agnósticas.
Há muitas explicações para o fenômeno. Mas, dentre elas, creio que se sobressai uma: o celibato. Poucas coisas são tão mal explicadas e, hoje, injustificáveis na doutrina católica do que o celibato.
Etimologicamente, celibato significa somente a proibição de casar-se. Aliás, o próprio adjetivo solteiro na língua francesa é traduzido como celibataire. Não há, na sua origem, vedação ao sexo. Mas, como todo mundo sabe, a vedação imposta pela Igreja aos padres engloba não somente a proibição de casar como também a de manter relações sexuais.
Não há, em parte alguma da Bíblia, imposição nesse sentido. Até mesmo aos seus 12 seguidores mais próximos Cristo não impôs obrigação tal. E os apóstolos, por sua vez, tampouco fizeram menção a semelhante abstenção para as primeiras comunidades cristãs. De onde vem e como surgiu, portanto, o celibato?
Quando se permitia o casamento aos clérigos, padres de todo mundo casavam-se e, eventualmente, tinham filhos. Naquela época, a Igreja se mantinha da mesma forma que hoje: através de doações (dízimo). As doações deveriam ser empregadas para “a maior glória de Deus”, isto é, obras para a igreja (construção e manutenção de templos, principalmente, e aquisição de bens, móveis e imóveis).
O problema surgia pela lei civil, se é que se pode falar em lei civil nesse tempo. Os bens arrecadados e amealhados pelos padres acabavam sendo reivindicados pela sua família. Mulher e filhos herdavam seus bens, e a Igreja enxergou um risco ao seu crescimento e, claro, ao seu patrimônio.
Reunidos num Concílio, em Nicéia (323 d.C), os bispos do mundo inteiro tomaram uma decisão radical. Dali pra frente, “todos os membros do clero estão proibidos de morar com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia“. Estaria assegurada, assim, a integridade do patrimônio da Igreja. Tudo o que um padre arrecadasse em vida seria repassado à Santa Sé, e não haveria mulher e filhos para reivindicar herança.
A origem do celibato, portanto, não é, sob qualquer forma, teológica ou religiosa; é puramente econômica.
Com o tempo, o celibato foi mais ou menos imposto pela Igreja. Houve tempos de maior tolerância com os concubinatos dos padres, e outros de maior perseguição à prática. Mas, no geral, o celibato sempre acabou reafirmado nos diversos concílios desde então.
Hoje, a sobrevivência do celibato revela-se um anacronismo sem sentido. Um padre não vai deixar de ser um bom padre porque tem família. Não vai deixar de se dedicar inteiramente a Cristo por causa disso. E, com as normas de hoje, o patrimônio eclesiático dificilmente seria ameçado por mulher e filhos do sacerdote.
Ao ver de muita gente, o celibato é a raiz do maior dos problemas da Igreja: a pedofilia de alguns padres. Sendo o sexo algo natural do ser humano, a vida, digamos, acaba encontrando um caminho para satisfazer a natureza. O problema é que nem sempre o caminho encontrado é lícito, como demonstram os inúmeros escândalos de jovens coroinhas seviciados por padres com distúrbios sexuais.
Perde a Igreja, portanto, em duas frentes. Na primeira, afasta do ofício sacerdotal quem, dispondo-se a dedicar sua vida a Cristo, não consegue enxergar uma vida sem sexo. Do outro, promove indiretamente a lascívia de pessoas doentes que, pensando conseguirem tal abstenção, acabam desvirtuando os próprios impulsos sexuais. Com isso, dá azo a escândalos que mancham o seu nome e colocam em xeque sua credibilidade perante o mundo.
Dificilmente o celibato cairá num futuro próximo. Mas é fato: enquanto não cair, continuaremos a assistir a uma evasão cada vez maior de fiéis e a uma sucessão de escândalos que jamais terá fim.