O mundo pós-Trump

E aquilo que parecia loucura para muita gente aconteceu: Donald Trump, um empresário metido em negociatas, autodeclarado falido por três vezes e com dezenas de acusações de má conduta sexual tornou-se o homem mais poderoso do mundo. Para  parte da população, a ficha ainda não caiu. É como se Trump presidente fosse uma ameaça como um meteoro: algo que todo mundo sabe que vai acontecer um dia, mas todo mundo reza para que seja daqui a milhões de anos. Mas, para aqueles que já caíram na real, a dúvida que fica é: e agora?

A maioria dos analistas e cientistas políticos apostava na carta do estelionato eleitoral. As loucuras que Trump vendia na campanha seriam solenemente enterradas tão logo ele pisasse os pés em Washington. Afinal, não há populista que resista a uma dose homeopática de realpolitik. O discurso do candidato ficaria na história, Trump tentaria azeitar suas relações com os republicanos e, com alguma sorte, tentaria montar uma equipe à la Reagan, destinada a fazer com que a economia americana retomasse o dínamo dos anos 80.

Não se sabe até que ponto essas previsões estavam montadas na mesma deficiência padrão de sempre, ou se os analistas estavam jogando o jogo da Pollyana, achando que aquilo tudo não poderia ser tão ruim quanto parecia. Seja como for, o discurso de posse e as primeiras ações de Trump na presidência trataram logo de enterrar o restinho de esperança que havia de o inventor do “Aprendiz” conduzir um governo “normal”. O Trump presidente parece ser mais o candidato do que aquele sujeito que o encarnou na campanha.

Logo de cara, o sujeito baixou uma série de ordens executivas. Na primeira delas, tirou os Estados Unidos na Parceria Transpacífico. Uma das poucas bolas dentro dadas por Barack Obama, a Parceria serviria para reunir quase 40% do PIB mundial, incrementando a corrente de comércio dos países banhados pelo maior oceano do planeta. Numa só tacada, os americanos conseguiriam aumentar ainda mais o seu espectro de influência naquela parte do blogo e, de quebra, isolariam seu principal parceiro e rival comercial, a China, que ficou de fora da jogada.

Na mesma linha do acordo transpacífico, Trump afirmou pra quem quisesse ouvir que queria “renegociar” os termos do tratado do Nafta, que reúne México e Canadá. Quais ele não disse, mas, pelo estilo Trump de negociação, serão daqueles do tipo “ou dá ou desce”. Se os amigos no Norte não concordarem com os termos ditados pelo ex-apresentador de televisão, Trump diz que vai abandonar o Nafta também.

Para piorar, Trump também decidiu reverter a decisão de Obama de negar autorização para construção de dois controversos oleodutos. Batizados de Dakota Access Pipeline e Keystone XL, ambos destinam-se a transportar petróleo bruto extraído do xisto betuminoso. Noves fora o inevitável impacto ambiental que ambos vão trazer, o oleoduto de Dakota passa por meio de terras indígenas, justamente na parte em que se encontram suas reservas de água potável.

Como desgraça pouca é bobagem, hoje Trump assinou mais uma ordem, determinando a construção do famigerado muro na fronteira com o México. Dando mais uma prova de que o candidato é o presidente (e vice-versa), Trump disse que, “de um jeito ou de outro”, os próprios mexicanos pagarão pela obra, por mais que boa parte dos políticos mexicanos já tenha declarado que no van a pagar por este puto muro (Vicente Fox).

Tudo isso somado, pode-se concluir que Trump na presidência supera os piores pesadelos dos mais pessimistas analistas de ciência política. A liderança mundial dos Estados Unidos não só está sendo colocada em xeque – algo que, bem ou mal, representou o fator de estabilidade no pós-Guerra Fria -, como parece estar sendo sumariamente abandonada. Não se trata, como querem alguns, somente da revivência do espírito isolacionista que permeou o período entre-guerras. É algo muito pior do que isso. Trump parece realmente acreditar que o mundo se resume aos Estados Unidos. E aí a coisa fica feia.

Além de arriscar o terrível jogo das guerras comerciais, que levou aos dois conflitos mundiais, Trump não parece estar dando a mínima para o papel que os americanos desempenham no restante do planeta. “O Japão tem medo da China? Pois que eles construam uma bomba atômica pra se proteger deles!”, disse Trump durante a campanha.

Levada a ferro e fogo, essa política de “cada um por si e Deus por todos” conduzirá, inevitavelmente, a uma escalada armamentista mundo afora, com o sudoeste asiático candidatando-se a primeiro da fila. Japoneses e sul-coreanos detêm a tecnologia necessária para montar um artefato nuclear e, se não o fizeram até hoje, foi exclusivamente por conta do apoio e da pressão diplomática dos Estados Unidos. Abandonados à própria sorte e com um vizinho maluco na Coréia do Norte, não é preciso ser nenhum gênio para imaginar que algo assim não pode acabar bem.

Não se sabe exatamente quais serão os próximos passos de Trump na presidência. Mas, considerando que uma de suas biógrafas disse que estamos diante de um sujeito com a mentalidade de um adolescente de 13 anos, boa coisa não se deve esperar.

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