Recordar é viver: “A profissionalização da esculhambação”

“Ano novo, vida nova”; taí o mote de quase todo mundo na virada do calendário. No caso deste que vos escreve, resolvi tirar do armário uma promessa não cumprida do ano de 2012. Trata-se da introdução de uma nova categoria no Dando a cara a tapa. Eis que vos apresento a mais nova seção do Blog: Recordar é viver.

Nessa nova categoria, serão relembrados alguns dos posts mais antigos deste espaço – considerando, claro, a curta existência do Blog. Suas atualizações serão sempre às sextas-feiras, o que me permitirá também atualizar duas vezes por semana a Despontando para o anonimato e a Pra desopilar.

Qual o propósito disso?

Em primeiro lugar, para reavivar análises sobre determinados assuntos que, a despeito de sua relevância, acabam ficando no esquecimento, por conta da sucessão de fatos no panorama nacional e internacional. Em segundo lugar, para dar aos mais novos freqüentadores deste espaço – e, felizmente, seu número não pára de subir a cada dia – a oportunidade de observar o que há foi escrito, sem a maçante tarefa de catar na parte de pesquisas o assunto de seu interesse.

E, tal como Bentinho, relembrando os escritos, reviverei o que vivi, assentando a mão para alguma obra de maior tomo.

Para inaugurar em grande estilo esta seção, vamos a um dos posts mais analíticos deste espaço. Um mal que aflige o povo brasileiro e, incorporado de tal modo à sua alma, tornou-se parte indissociável da paisagem: a profissionalização da esculhambação.

A profissionalização da esculhambação

Publicado originalmente em 17.5.11

Muita gente que viaja ao exterior fica se perguntando: “Será que um dia o Brasil alcançará o nível de primeiro mundo?”

Por “nível de primeiro mundo” entenda-se: não ser somente um país rico, mas principalmente civilizado – poder andar na rua tranqüilamente, ter níveis de roubos, assassinatos e violência em geral aceitáveis, etc.

Depois de muito andar, cheguei a uma triste conclusão: não, não chegaremos tão cedo nesse nível.

Seja o Brasil a oitava ou até mesmo a primeira economia do mundo, há algo aqui que nos impede de atingir o mesmo nível de civilidade que existe, por exemplo, em países europeus. É a profissionalização da esculhambação. “Como assim?” Explico:

Certa vez, indo a um show em Copenhagen, deparei-me com um estacionamento de bicicletas. Assim como os holandeses, os dinamarqueses adoram andar em suas bicicletas. Tudo bem que o fato de ambas as capitais serem planas ajuda um bocado, mas não há como negar uma certa dose de consciência quando o sujeito opta por se locomover com as próprias pernas em vez de andar de carro. Mas esse não é o ponto.

O ponto é que, em frente ao parque onde teria lugar o show, havia uma praça, que acabou por servir de estacionamento de bicicletas. Ao andar por elas, notei um detalhe interessante: nenhuma delas tinha cadeado. Se alguém quisesse levar qualquer uma delas, era só ter disposição: não havia nada a impedir, nenhum obstáculo a transpor.

Aí você ficar a se perguntar: “Ué? Mas por que eles não precisam trancar suas bicicletas e nós precisamos?”

Resposta simples: porque lá não tem mercado negro. Um sujeito que furta um bicicleta não poderá fazer muito além de andar nela; vendê-la é impossível. Não existe um mercado negro de bicicletas furtadas. Nem de qualquer outro item.

Muita gente não percebe, mas o principal estímulo ao furto e ao roubo é puramente econômico: furtar e roubar mercadorias para transformá-las em dinheiro. Fora os casos patológicos, a rede de assaltos deve ser entendida simplesmente como uma atividade econômica. O sujeito não faz por – por preguiça, incapacidade ou simplesmente conviência – outra coisa da vida. Furta e rouba como meio de subsitência. Quanto mais essa for rentável, mais ela se desenvolve, e mais gente é atraída por ela.

O problema, portanto, não se resume aos assaltantes, mas é relacionado principalmente à intricada rede que leva um produto furtado a ser vendido numa feira qualquer a um sujeito da classe média. O cidadão pensa que está “levando vantagem” comprando um produto mais barato do que na loja. O que ele não percebe é que, ao comprar esse produto, ele está alimentando a mesma rede que o leva a ficar trancado em casa e a blindar seu carro.

A esculhambação, no Brasil, é um grande negócio.

Se alguém quiser estudar a sério a real as causas da violência do país, deve começar pela Feiras da Parangaba e de Acari. Vai descobrir muito mais do que imagina.

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