Por essa, ninguém esperava. Quando ninguém mais nem dava fé de que o bloqueio econômico e diplomático a Cuba continuava em vigor, eis que Barack Obama convoca uma cadeia nacional de rádio e TV para dizer que, 53 anos depois, os Estados Unidos normalizarão suas relações diplomáticas com Cuba. Como bem apontou Fernando Morais, 25 anos depois da Queda do Muro de Berlim, a Guerra Fria finalmente pode ser dada como encerrada.
Do ponto de vista histórico, a mudança no tratamento dispensado ao regime cubano corrige uma rota mal traçada há mais de meio século. Quando Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos desceram Sierra Maestra em direção a Havana, nenhum deles poderia ser rotulado de comunista. Pelo contrário. O Partido Comunista Cubano apoiou até o último instante o ditador Fulgencio Batista e não via com bons olhos aquele bando de guerrilheiros barbudos. O mal estar com a associação era tão grande que, logo após a entrada triunfal em Havana, Fidel apressou-se em dizer: “Eu sei o que o mundo pensa de nós, somos comunistas, e, claro, eu tenho dito muito claramente que não somos comunistas”. Se Fidel e Cia. Ltda. tornaram-se comunistas depois, a maior parte dessa culpa deve ser atribuída aos americanos.
“Como assim?”
O tosco e sanguinário Fulgencio Batista comandava uma cleptocracia que transformara a maior ilha do Caribe numa versão moderna de Sodoma e Gomorra. Associado à Máfia americana, o regime autorizava a abertura de bordéis e cassinos no mesmo ritmo com o qual se abrem hoje farmácias no Brasil. Obviamente, isso incomodava demais a população local. Não à toa, assim que assumiu, Fidel deu fim à esbórnia e cassou todas as propriedades nas quais ela se desenvolvida.
Por debaixo dos panos, os americanos tentavam compor algum acordo com o novo governo cubano. Mas, por um desses azares do destino, a conjunção astral não foi das mais favoráveis. Além de ter irritado a máfia americana (a quem, segundo alguns historiadores, John Kennedy devia a magra vitória sobre Richard Nixon), Castro azedou de vez as relações com os ianques quando determinou que as petrolíferas locais passassem a importar óleo da União Soviética, ao invés dos Estados Unidos.
Como as empresas se recusassem a enfrentar o Grande Irmão do Norte, Castro nacionalizou todas as companhias de petróleo. Em contrapartida, Kennedy determinou um embargo ao açúcar comprado da ilha. Por fim, Castro respondeu com a expropriação de todas as propriedades que estivessem em mãos americanas. Daí pra frente, a coisa degringolou de vez. A ordem era depor Fidel a qualquer custo.
Com ajuda da CIA, organizou-se uma empreitada para derrubar Castro do Governo. O plano era relativamente simples: exilados cubanos seriam treinados pelos americanos, transportados em navios para Cuba e, de lá, com apoio aéreo ianque, marchariam para Havana para derrubar Fidel. Acreditava-se que o novo regime cairia por gravidade, uma vez que uma força organizada militarmente se levantasse contra ele. O palpite não poderia estar mais equivocado.
Alertado por seu serviço de inteligência, Fidel acionou de véspera as defesas da ilha. Quando os exilados cubanos desembarcaram na Baía dos Porcos, a defesa cubana já estava armada. Em menos de três dias, a invasão malograra, depois de Kennedy recusar-se a aumentar a escalada de violência com o uso de tropas americanas no ataque. No final daquele ano, Fidel anunciaria ao mundo: “Eu sou marxista-leninista e o serei até o fim da minha vida“. Os americanos tinha jogado Castro nos braços da União Soviética.
Desde então, entre tentativas de assassinato e crises de mísseis soviéticos, as relações entre Cuba e Estados Unidos nunca mais foram as mesmas. Receosos da possível influência da Revolução Cubana e seu comunismo tardio sobre este lado do mundo, os americanos fizeram de tudo para isolar a ilha. Nenhum americano poderia admitir o aumento da área de influência soviética no seu “quintal” histórico. É nesse contexto que entram o embargo diplomático e econômico a Cuba.
Quando o muro de Berlim caiu e, na sequência, a União Soviética virou pó, a manutenção do isolamento cubano tornou-se uma extravagância histórica. Assim como Soichi Yokoi, o soldado japonês perdido numa ilha do Pacífico que se manteve em guerra com os Estados Unidos 27 anos depois do fim da II Guerra, parecia que a Guerra Fria não tinha acabado. Neste lado do mundo, tudo continuava como estava. Parecia que nada tinha acontecido.
É justamente por conta disso que a decisão de Barack Obama é tão auspiciosa. Orientado por uma intervenção abençoada do Papa Francisco, Obama pode ter finalmente conseguido alcançar uma marca para seu governo, que, de resto, não vai nada além do medíocre. Depois de prolongarem por um quarto de século um estado de coisas que caberia melhor em um museu, os americanos finalmente se convenceram de que a melhor foram de derrubar o regime cubano não é isolar a ilha, mas trazê-la para o século XX. É da perseguição e do bloqueio americano que os Castro retiram sua legitimidade para permanecer poder. A ameaça constante do “imperialismo ianque” não lhe serviu como veneno, mas como vitamina. Sem ele à espreita, o regime cubano tem tudo para cair de podre.
Haverá, claro, quem conteste a decisão americana. A dissidente cubana Yoani Sanchéz, por exemplo, enxerga no ato uma vitória do regime castrista. Eu, particularmente, penso diferente. Por mais que à primeira vista pareça que foram os americanos que capitularam – afinal, os Castro ainda mandam por lá -, no longo prazo a tendência é a de que o regime se enfraqueça e caia de podre. Quando a população cubana se ver livre das agruras do regime socialista e descobrir as benesses do livre mercado, poderá olhar para si mesma e ver quão bizarro é um sistema de coisas no qual o papel higiênico é racionado para consumo. Ao contrário dos chineses, que dispõem de um partido orgânico para levar adiante o “socialismo de mercado” idealizado por Deng Xiaoping, o regime cubano encontra-se totalmente centrado na figura dos irmãos Fidel e Raúl. Quando eles se forem, uma transição democrática se imporá naturalmente.
Por isso mesmo, há de se aplaudir a decisão de Obama. Ainda que a oposição republicana venha a espernear, o destino já está traçado. Depois de 50 anos de ruptura e 25 anos do fim do socialismo, avizinha-se para Estados Unidos e Cuba um futuro promissor, sem Castro, sem ditadura e sem bloqueio econômico.
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