Os 25 da queda do Muro de Berlim

Ontem, completaram-se 25 anos desde que o mundo, atônito, assistiu a uma cena que pareceu improvável por quase 30 anos: a queda do Muro de Berlim.

Queda do Muro de Berlim

Hoje, pode parecer prosaico e até irreverente ver cenas de alemães orientais pulando o Muro, ou seus compatriotas ocidentais organizando algo que os brasileiros de hoje em dia chamariam de “pagodaço” defronte do Portão de Brandemburgo. Mas só quem viveu o conflito ideológico da Guerra Fria pode alcançar realmente o que representou o desmoronamento de seu símbolo mais perverso. Para explicá-lo melhor, contudo, é necessário voltar um pouco no tempo.

Depois da queda da Alemanha Nazista, os aliados repartiram a Europa entre eles. Ao Oeste, os integrantes da Europa Ocidental ficaram do lado capitalista, sob influência dos Estados Unidos. Ao Leste, os países da Europa Oriental ficaram do lado comunista, sob o jugo da União Soviética. Espremida no meio dos dois lados, a Alemanha literalmente ficou dividida ao meio: a Bundesrepublik Deutschland (BRD – República Federal da Alemanha), sob o comando dos aliados; e a Deutsche Demokratische Republik (DDR – República Democrática da Alemanha).

Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental

A ocupação e a divisão da Alemanha tinham uma explicação e um propósito. A explicação: punição aos alemães pelas atrocidades nazistas. O propósito: impedir que uma Alemanha unificada pudesse novamente se reerguer e colocar a estabilidade mundial em perigo. De um lado e de outro, com diferentes graus de intensidade, o ressentimento dominava o espírito de uma população que tinha vergonha de olhar para seu próprio passado.

Durante os anos 50, o conflito não declarado entre americanos e soviéticos só fez aumentar. Após o severo atrito causado pela Guerra do Coréia no começo da década, capitalistas e comunistas decidiram competir não somente no campo militar, mas também no campo econômico. Cada qual pretendia mostrar ao mundo que a sua alternativa política era a mais capaz de trazer prosperidade para o seu povo. Não demoraria muito para os oponentes descobrirem que o melhor palco para propagandear seus feitos era justamente onde a Guerra Fria se mostrava mais quente: a Alemanha.

Com investimentos maciços de ambos os lados, Alemanha Ocidental e Oriental experimentaram uma espécie de “Milagre Econômico” a partir de meado da década de 50. Na verdade, foi somente por esse breve período de tempo que a União Soviética pôde realmente se contrapor ao dínamo norte-americano. Àquela época, não parecia tão absurdo optar por um sistema no qual as liberdades políticas eram cerceadas. Afinal, os comunistas também prometiam prosperidade econômica, mas com uma vantagem: distribuição igualitária da riqueza. Não por acaso, ninguém pensou em construir um Muro separando BRD e DDR naquela época.

No começo da década de 60, quando a corrida pela dominação mundial ainda estava no seu começo, os americanos exibiam fôlego de maratonista, enquanto os soviéticos já colocavam a língua de fora. Aos primeiros sinais de declínio econômico do lado comunista, o povo alemão, que não era besta nem nada, começou a virar a casaca. Intuindo que a Alemanha Oriental fatalmente seria sobrepujada pela Alemanha Ocidental, os alemães passaram a atravessar a fronteira em direção ao lado capitalista. Foi aí que a porca entortou o rabo. Dizer que um sistema é melhor do que o outro pode render um bom discurso, mas fica difícil levar o argumento a sério quando a galera que está com você começa a se bandear para o outro lado. Se o sistema socialista era tão bom, por que tanta gente estava fugindo dele em direção ao sistema capitalista? O êxodo de alemães orientais para a República Federal da Alemanha era, portanto, a propaganda mais eficiente com a qual os americanos jamais puderem sonhar.

Como toda propaganda é um exercício sofisticado de convencimento, os soviéticos não poderiam deixar o êxodo continuar. Afinal, se os alemães podiam escapar tão facilmente das agruras comunistas pela fronteira aberta de Berlim, o que impediria os habitantes dos demais países da Cortina de Ferro de fazerem o mesmo?Uma vez que os soviéticos não podiam admitir o fracasso do seu sistema político-econômico, a única forma de estancar a sangria seria a física: construir uma barreira que impedisse os alemães de se evadirem para o lado capitalista. Nascia, então, o Muro de Berlim.

Berlim Ocidental e Berlim Oriental

Erguido na madrugada de 13 de agosto de 1961, o Muro tinha quase 160km de extensão. Ao contrário do que pensa boa parte das pessoas, o Muro não era propriamente em Berlim Oriental, mas em Berlim Ocidental. Melhor explicando, como Berlim Ocidental era um enclave capitalista no coração da DDR, a “solução” encontrada pelos comunistas foi cercá-lo com concreto e arame farpado. Não eram os berlinenses orientais que estavam presos em seu mundo, mas os berlineses ocidentais que se descobriram “presos” no meio do território inimigo.

O repúdio internacional foi generalizado. Em um dos seus melhores discursos (Ich bin ein Berliner), pronunciado poucos meses depois do soerguimento do muro, John Kennedy fulminou: “Freedom has many difficulties and democracy is not perfect, but we have never had to put a wall up to keep our people in, to prevent them from leaving us” (“A liberdade tem muitos dificuldades e a democracia não é perfeita, mas nós nunca tivemos de erguer um muro para manter nossa gente dentro dele, para impedi-la de nos deixar”). No entanto, nesse como em outros casos, os soviéticos estavam pouco se lixando para as reações internacionais. Interessava, somente, garantir a continuidade do projeto comunista, nem que fosse pelo uso exclusivo da força.

Obviamente, o uso da força era uma estratégia limitada no tempo. Por mais que os governantes da DDR e os soviéticos pudessem fazer cara de paisagem para cada alemão oriental que morresse tentando atravessar o muro, o desastre econômico fatalmente se espalharia e atingiria o conjunto da população. Quando a crise atingisse o ponto de ebulição, era inevitável que o descontentamento fizesse desmoronar a repressão baseada na força bruta. No fundo, o Muro não foi derrubado; ele desmoronou por si mesmo. No ano seguinte, a DDR se extinguiria com a reunificação alemã. Dois anos depois, era o próprio mundo soviético que soçobraria em meio à convulsão social.

Muito mais do que o fim da divisão de Berlim, mais até do que o triunfo inapelável do Ocidente, a queda do Muro de Berlim representa o fim do comunismo como alternativa político-econômica para o mundo. Hoje, falar em “socialismo” ou “democratização dos meios de produção” são coisas que só encontram terreno fértil em países como a Coréia do Norte. Quando enxergou o ocaso do comunismo ainda em 1976, Deng Xiaoping tratou logo de converter sua China no reduto mais selvagem do capitalismo. Mesmo em Cuba, o único expoente comunista deste lado do mundo, o capitalismo já começa a se insinuar, ainda que o torniquete político continue apertado.

O que a queda do Muro deveria ensinar para o mundo, portanto, é que o capitalismo é o pior modo de produção existente, com exceção de todos os outros. Daí pra frente, só deveríamos tratar das melhores formas de mitigar as suas disfuncionalidades. Mesmo assim, no seio de uma esquerda anacrônica, que insiste em dar as caras em países subdesenvolvidos – Brasil inclusive -, o comunismo ainda sobrevive como espectro a rondar a normalidade institucional. Há mesmo quem enxergue em regimes do tipo Hugo Chávez a revivência tardia do sonho perdido naquele 9 de novembro de 1989. No entanto, para a esmagadora maioria da população mundial, o comunismo – ou “socialismo real”, como queiram – não passa de um triste retrato na parede. Sinal de que, mesmo golpeada pelos ignorantes, a História continua a ensinar gerações.

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