A legalização do concubinato

Agora essa.

Hoje, o Superior Tribunal de Justiça deve julgar um recurso contra um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão determina que o réu pague à ex-amante, com a qual manteve vínculo extraconjugal por trinta anos, pensão alimentícia no montante equivalente a 20% de seus rendimentos. Nada a ver com o pagamento de pensão à filha do casal adúltero, cuja obrigação já tinha sido reconhecida judicialmente. Trata-se de pagar pensão à mulher com a qual manteve relações fora do casamento, sabendo que se trata de uma relação espúria. Sem maiores delongas, esse é o maior ataque já desferido pelo Poder Judiciário contra a instituição secular do casamento.

Que o casamento tem sofrido progressiva diminuição na sua importância com o passar dos séculos, fato é que não admira nem causa consternação. Houve um tempo no qual os casamentos eram endogâmicos e – supostamente – duravam para sempre ou até que a morte separasse os pombinhos. Naqueles tempos, casamentos poderiam significar alianças políticas – como o casamento entre nobres, até mesmo de países diferentes – ou ascensão social. Como fator primordial para o enlace, o amor só dava as caras nos raríssimos casos em que as vontades subjacentes se combinavam com o desejo dos nubentes.

Uma vez que o afeto recíproco não era a questão principal envolvida no casamento, admitia-se hipocritamente a existência de casos extraconjugais. É dizer: para manter as aparências do casamento, era aceitável que o homem – e somente ele – mantivesse amásias tantas quantas fossem necessárias, desde que não se separasse da mulher. A força do vínculo pelos laços de casamento era tão forte que, não custa lembrar, gerou até um cisma na Igreja Católica. Quando Henrique VIII quis se divorciar de Catarina de Aragão, teve de escantear o papa e fundar sua própria Igreja.

Agora, não. Já há bastante tempo, o divórcio foi legalizado e os casamentos, pelo menos em sua grande maioria, atendem apenas às razões do coração. Por isso mesmo, a admissão hipócrita da libertinagem extraconjugal do homem perdeu completamente a razão de ser. Quem não quer, não se casa. E quem se casou, não precisa ficar casado pra vida inteira. Basta ingressar com uma ação judicial – às vezes, nem isso – e pedir o desfazimento do vínculo matrimonial.

Se isso é verdadeiro para o homem, deve por questão de isonomia valer na mão contrária. É dizer: uma mulher pode até apaixonar-se por um homem casado. Mas, justamente pelo fato de ele não estar obrigado a manter-se como tal a vida inteira, da mesma forma ela não está obrigada a manter-se como concubina pelo resto de sua existência. Se realmente ama o sujeito e quer se casar com ele, a solução é fácil: na base do “ou dá ou desce”, coloca o sujeito na parede e exige a separação de sua mulher. Simples assim.

O que o STJ está prestes a legalizar é a consagração do descaramento. De duas, uma: ou não há amor suficiente entre o casal adulterino para que o varão se divorcie de sua mulher; ou a mulher se sente muito confortável na condição de amante adúltera. Nos dois casos, a manutenção do relacionamento clandestino é uma opção livre e informada de ambos os concubinos.

Exatamente por isso, não faz o menor sentido assegurar à amante extraconjugal direitos que, em princípio, só cabem ao cônjuge virago. Com toda a razão, assegura-se aos filhos extraconjugais os mesmos direitos concernentes aos filhos gerados na constância do casamento. Mas isso só porque as crianças nada têm a ver com a inconseqüência dos pais.

Diferente, no entanto, é o caso do homem ou da mulher adúlteros, que são plenamente conscientes e responsáveis pelos seus próprios atos. Se um dos dois resolveu, de livre e espontânea vontade, manter-se na ilegalidade, paciência. Vai usufruir os benefícios da libertinagem, mas não terá as garantias asseguradas em lei aos cônjuges. Quer ter relacionamento extraconjugal? Tudo bem. Mas também não vai ganhar pensão. Jogo jogado.

O que não se pode admitir é que, por via transversa, equipare-se o concubinato ao casamento. Se a moda pega, daqui a pouco haverá homens e mulheres bígamos alegando que não podem ser apenados. Se os direitos do concubinato equivalem aos do casamento, com quais argumentos se sustentará que o sujeito que casa mais de uma vez comete crime?

Se o STJ sancionar a decisão do TJRJ, daqui a algum tempo surgirá alguém perguntando: “Se a concubina tem as mesmas garantias da esposa, por que eu haverei de me casar?”

E quem haverá de responder-lhe?

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