Como se já não bastasse termos passado metade do ano passado inteiro discutindo Mensalão, eis que a Ação Penal 470 volta à pauta do Supremo Tribunal Federal. Depois de encerrada a fase dos embargos de declaração, na qual quase todas as condenações e penas foram mantidas, discute-se agora o cabimento dos embargos infringentes. À diferença dos declaratórios, os infringentes podem efetivamente implicar a reapreciação do conjunto probatório e, com isso, mudar o resultado do julgamento do ano passado.
Não se trata de um tema novo neste espaço. Já no começo deste ano foi escrito um post sobre a questão, no qual se abordou a questão do alcance de ambos os recursos e se apresentou a opinião deste que vos escreve, contrária ao cabimento dos infringentes. Interessa, contudo, acompanhar as possíveis implicações do resultado desse julgamento.
Formada a maioria provisória em favor da aceitação do recurso, tratou logo a mídia de fazer grande confusão acerca de uma possível interposição dos embargos infringentes. Fala-se em “pizza”, “absolvição de mensaleiros” e até mesmo em “prescrição de crimes”. Tudo isso quando ainda se discute apenas se o recurso é ou não cabível, isto é, quando ainda se está a léguas de discutir o seu mérito, caso eles venham a ser interpostos.
Pra começo de conversa, os embargos infringentes – se admitidos – só serão cabíveis nos casos em que houve pelo menos quatro votos no sentido da absolvição do réu. De cara, 14 dos 25 condenados perdem a possibilidade de interpô-los. Fora isso, mesmo para aqueles aos quais for reconhecido o direito de recorrer, ainda assim o recurso será restrito aos crimes nos quais houve quatro votos pela absolvição. José Dirceu, por exemplo, poderá recorrer da condenação por formação de quadrilha (condenado por 5×4), mas não poderá recorrer da condenação por corrupção ativa (condenado por 8×2).
Ademais, os riscos de prescrição são mínimos, mesmo nos casos de crimes aos quais a lei comina penas relativamente brandas, como formação de quadrilha. Para que isso acontecesse, seria necessária uma reviravolta sem tamanho na dosimetria das penas. Utilizando novamente o exemplo de José Dirceu, sua condenação a 2 anos e 11 meses teria de despencar para menos de 2 anos para que se cogitasse da extinção da punibilidade. Mesmo sendo certo que a quantificação da pena é sempre algo manifestamente subjetivo, é difícil acreditar que ela possa cair à metade utilizando-se os mesmos critérios para o mesmo réu.
Equivoca-se também quem acha que STF transformou-se em um forno no qual serão assadas pizzas para os condenados no Mensalão. O julgamento dos embargos de declaração deixou clara a prevalência dos critérios técnicos na definição do resultado. Mesmo julgadores declaradamente contrários às penas aplicadas no ano passado abstiveram-se de mudar o julgamento, dado o caráter estrito de alcance dos declaratórios. Não há razão para acreditar que, no julgamento dos embargos infringentes, venham a abandonar a ciência jurídica e ceder a um voluntarismo inconseqüente.
Embora discorde frontalmente do posicionamento adotado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, admito que ele tem razão em um ponto: o STF existe para que o direito de 11 não seja atropelado pelo desejo de justiça de milhões. A pior coisa que poderia acontecer, nessa altura, era ter uma Corte Constitucional propensa a atender os clamores da massa, desprezando-se seu caráter naturalmente contra-majoritário. Antes o Supremo entender que os embargos infringentes sejam cabíveis e aceitá-los do que, acreditando que eles sejam cabíveis, rejeitar sua interposição somente por pressão das ruas.
Por fim, uma curiosidade que aparentemente ninguém ainda se perguntou: e se, admitidos os infringentes, seu julgamento não resultar em qualquer mudança no resultado?
Meu palpite para daqui a pouco?
6×5, contra os infringentes. Além dos que já votaram, aceitará os embargos o Ministro Ricardo Lewandowski. Da outra banda, comporão a maioria Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
A conferir.
Meu caro Jurista( assim mesmo com maiúscula), sem discutir nada relacionado ao mérito dessa momentosa e polêmica questão, gostaria apenas de saber sua opinião quanto à pertinência do juiz se levar pela opinião pública, pelo clamor circunstancial do povo( ou da parte dele que não é silenciosa), pelos brados das ruas ao proferir o voto a favor ou contra o réu. E , ao mesmo tempo, gostaria de saber o que você acha daquele juiz que se pauta intrinsecamente pelo Direito ou por aquilo que ele acha que o Direito dita, independentemente de agradar ou desagradar a opinião pública.
Um abraço e boa estada na terra querida.
Meu caro Comandante (também com maiúscula), não creio que o bom juiz, o juiz sensato, coerente e cioso de suas obrigações, deve levar em conta a opinião pública na hora de decidir uma causa. O princípio básico de qualquer sistema judicial é que o julgador seja independente para aplicar a lei, seja qual for o resultado, ainda que com isso cause insatisfação pública. Do contrário, voltaríamos aos tribunais das massas, ao horror e à barbárie que caracterizaram, por exemplo, o período do Terror durante a Revolução Francesa. Numa democracia, juiz tem de atender ao direito que está posto. O resto é jogar pra galera. Um abraço.