Quando o julgamento do Mensalão se iniciou, o Supremo Tribunal Federal contava ainda com 11 ministros. Cézar Peluso, no entanto, se aposentaria no dia 3 de setembro, o que reduziria o plenário do STF a um número par (10). Conforme antecipado aqui, o Supremo teria de adotar uma de três posições:
1 – Decidir que, em caso de empate, prevalece a decisão mais favorável ao réu;
2 – Decidir que, em caso de empate, prevalece a decisão na qual estiver o presidente do STF;
3 – Esperar a posse do ministro Teori Zavascki para desempatar a questão.
Hoje, esse problema foi resolvido.
Para quem é do ramo, era pule de dez que o STF não jogaria a batata quente nas mãos de um ministro recém-empossado. Não só pela sacanagem que isso representaria, mas também por não dar azo a ilações de que a Presidente Dilma teria nomeado Teori na tentativa de influenciar no julgamento da ação.
Houve quem defendesse a primeira posição. O Ministro Marco Aurélio Mello, sempre coerente com seus posicionamentos, valeu-se de uma norma regimental, segundo a qual compete ao presidente “proferir o voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o regimento não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a trinta dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o ministro licenciado”. Nesse caso, isso equivaleria à condenação, pois o presidente do STF votara pelo encarceramento dos réus. E, como Marco Aurélio gosta de falar, prerrogativa não é direito; prerrogativa é dever. Logo, Ayres Britto tinha que decidir pelo desempate em desfavor dos réus.
Em princípio, Marco Aurélio tinha razão. Afinal, não há nenhuma norma regimental a prever a resolução de empates em caso de ação penal. Logo, à falta de uma norma específica, aplicar-se-ia a disposição do voto de qualidade do presidente.
No entanto, como a própria norma prevê, a hipótese do voto de qualidade é restrita aos casos de “impedimento e suspeição” ou “vaga ou licença médica, quando seja urgente a matéria“.
A pergunta é: a matéria era urgente?
Do ponto de vista jurídico, não. Urgentes, em sentido técnico, são somente as medidas liminares, cautelares ou antecipatórias, e os chamados remédios constitucionais (habeas corpus, habeas data e mandado de segurança). Fora disso, não há urgência alguma. Menos ainda se pode dizer de uma ação penal cujo objetivo é, ao fim e ao cabo, condenar pessoas a sentenças restritivas de liberdade.
Logo, o regimento era lacunoso.
E aí? Faz-se o quê?
Recorre-se aos meios ordinários de integração de normas. Pela ordem: analogia, costumes e princípios gerais de direito.
Há norma cujo preceito possa ser trazido por analogia ao caso concreto?
Sim, há. Segundo o regimento do STF, em caso de “julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas corpus proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente”.
Tem-se, aí, uma hipótese de resolução para os casos de habeas corpus. Embora não seja uma previsão específica para ações penais, a matéria de fundo tratada é a mesma: liberdade do indíviduo. E, nesse caso, o regimento optou por favorecer o réu. Dessa forma, por inspiração analógica, pode-se entender que a mesma decisão fosse adotada para os casos de ações penais originárias, como é o caso do Mensalão.
Decidiu-se, portanto, pela segunda opção. Ou seja: em caso de empate em ação penal, prevalece a decisão que for mais favorável ao réu. Neste caso, isso equivaleria à absolvição.
E se o regimento determinasse expressamente que, em caso de ação penal, caberia ao presidente do STF dar o chamado “voto de qualidade”? Isso seria juridicamente possível?
A meu ver, sim.
Não se trata, como disse o Ministro Ayres Britto, de aplicação do princípio do in dubio pro reo. Esse princípio determina que um réu só pode ser condenado se houver provas suficientes para formar a convicção condenatória do julgador além de qualquer dúvida razoável. Em outras palavras: se houver dúvida razoável, deve-se absolver o sujeito.
Quando o julgamento é proferido por um único juiz, fica fácil. Tá na dúvida? Absolve.
Mas quando o julgamento for colegiado?
No caso do Mensalão, por exemplo, os empates foram formados por 5 juízes convictos da culpa dos réus e 5 juízes igualmente convictos de os réus seriam inocentes. Não havia dúvida de qualquer lado. A solução, como disse acima, deu-se por uma analogia regimental, com base na norma prevista para o julgamento de habeas corpus. Nada impediria que o regimento dispusesse que, em caso de empate em ação penal, prevaleceria a condenação dos réus, com base no voto de qualidade do presidente.
Isso seria aplicar o tal do “voto de Minerva”?
Não, absolutamente não.
Como todo mundo sabe, a expressão é tomada em empréstimo a uma lenda grega. Palas Atena, deusa – dentre outras coisas – da Sabedoria, presidia o julgamento de Orestes. Acusado de vingar a morte do pai (Orestes) matando a mãe (Clitemnestra) e seu amante (Egisto), Orestes foi levado a um júri composto por 12 cidadãos. Ao final, formou-se um empate. Quando isso aconteceu, Atena desempatou a questão em favor de Orestes. O nome Minerva veio por decorrência de sua correspondente na mitologia romana.
O “voto de Minerva”, portanto, representa uma situação na qual: 1 – o presidente do julgamento não vota; 2 – há um empate; e 3 – o presidente vota somente para desempatar.
A rigor, portanto, o voto de Minerva nada tinha a ver com a eventual atribuição de “voto de qualidade” a Ayres Britto. No voto de qualidade, o presidente de ordinário vota, e, em caso de empate, define-se o desempate em favor da corrente com a qual votou.
Afinal de contas, com voto de qualidade ou não, tenho pra mim que foram sopesados não somente fatores jurídicos para adotar-se essa posição, mas principalmente fatores extrajurídicos: uma decisão condenatória baseada em um empate daria fôlego à tese de que o julgamento do Mensalão foi um julgamento político.
A meu ver, ficou melhor assim.