A imprensa apressada, ou Como fazer uma execração pública

Ontem o filho do multibilionário midas brasileiro Eike Batista, Thor Batista, atropelou e matou um ciclista numa rodovia no Rio de Janeiro.

Desconheço as circunstâncias do acidente, por isso, abestenho-me de dizer se ele foi ou não culpado pela morte do sujeito. Pelo contrário. Aqui se sustentará o exato oposto: da mesma forma com que não conheço inteiramente os fatos que conduziram à tragédia, boa parte das pessoas – imprensa inclusive – também está completamente alheia ao que aconteceu. Mesmo assim, antes de iniciado qualquer procedimento investigatório, a imprensa já começou o processo de execração do rapaz.

Imediatamente após o acidente, surgiram notícias de que ele dirigia em velocidade acima da permitida. Logo depois, soube-se de coisa pior. Thor acumulara 51 pontos na carteira, algo que o deveria impedir de dirigir. Para a imprensa, isso basta para rotulá-lo como responsável pelo acidente.

Claro, Thor é o vilão perfeito. Jovem, rico, bem apessoado, filho de um empresário tão bem sucedido quanto polêmico, Thor Batista se encaixa perfeitamente no papel predefinido de playboyzinho cabeça-oca, a dirigir irresponsavelmente de forma destrambelhada, matando inocentes trabalhadores que andam tranqüilamente em suas bicicletas, porque não tem dinheiro para pagar a condução.

Sim, no roteiro já pré-montado da imprensa, a Thor não cabe outro papel senão o de vilão.

Mas será que foi isso mesmo que aconteceu?

Quem acompanha o noticiário deve se lembrar que, há pouco mais de dois meses, surgiu um caso semelhante. Na verdade, pior. Certa noite, salvo engano em São Paulo, um casal voltava para sua residência. De repente, um outro automóvel chocou-se contra a lateral. O motorista ficou ferido, mas sobreviveu. Sua mulher, que estava do lado errado da batida, faleceu na hora. Pra piorar, estava grávida. O filho que estava em sua barriga também não resistiu.

Imediatamente, entrou em marcha o processo de execração pública da imprensa. O sujeito dirigia em alta velocidade em um carro de luxo. Atravessara o sinal vermelho. Em suma: um playboy desses da vida matara de forma irresponsável uma mulher e o filho que ela carregava na barriga.

Pouco tempo depois, a polícia começou a investigação. Recolhendo imagens de câmeras de monitoramento do trânsito, verificou-se que fora o marido da grávida que atravessara o sinal vermelho. Pior. Ambos voltavam de uma festa. Suspeita-se que o marido tinha consumido bebida alcoólica. Como não foi feito exame de teor alcoólico, não se pode acusá-lo de dirigir embriagado.

De todo modo, ficou claro que a versão original – de responsabilidade integral do sujeito que bateu – era capenga. Amparava-se apenas no roteiro pré-montado pelas redações, sem que houvesse fatos a sustentá-la. Que dinheiro pode pagar a dor e o sofrimento do motorista acusado em rádio, TV e Jornal Nacional de ser responsável pela morte de uma grávida e de seu filho?

De novo: sem saber do que se passou, receio que no caso de Thor Batista esteja se passando a mesma coisa.

Isso tudo apenas para provar que, em se tratando de imprensa brasileira, nem sempre a primeira impressão é a que fica.

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2 respostas para A imprensa apressada, ou Como fazer uma execração pública

  1. Alexandre disse:

    Arthur, vou me permitir discordar. Na grande maioria dos relatos que li na imprensa, o tom é de neutralidade ou defesa de Thor Batista. A maioria dos comentaristas assumiu a sua postura: vamos esperar a apuração dos fatos para formar um juízo. Quem mais bateu nele foi a Globo, inclusive mencionando os pontos na carteira em longa reportagem no JN. Curiosamente, a revista Época Negócios, editada pela Globo, também produziu reportagem questionando os negócios de Eike Batista. Há comentários de que tais ações seriam parte de uma ofensiva midiática contra Eike desde que ele anunciou a intenção de entrar no negócio de concessões de TV… Acho que tem caroço nesse angu.

    • arthurmaximus disse:

      Pois é, Alexandre, também li sobre essa questão de fundo. Por isso mesmo que acho que a execração pública do Thor pode estar sendo movida por interesses outros, que não o de bem informar o distinto público. De todo modo, acho que o mais conveniente é aguardar pra ver se a execração procede ou não. Um abraço.

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