Os meandros da Justiça

Um dos maiores mistérios para quem não é da área jurídica – e, em alguns casos, mesmo para quem é da área – é entender o cabedal de “justiças” que existem no país: federal, estadual, do trabalho, militar, e por aí vai… De vez em quando, aparece uma decisão de uma que conflita com a de outra, e a imprensa no seu papel de desinformar nunca se preocupa em explicar ao distinto público por que as coisas são assim.

Em Direito, chama-se “competência” o poder de determinada “justiça” processar determinada causa. A separação em várias competências decorre da constatação de que, reunidas numa só, seria bastante difícil organizar o processamento das causas. Imagina um juiz recebendo uma demanda previdenciária (justiça comum federal) e, logo depois, tendo de julgar uma questão de sucessão (justiça comum estadual). Separadas, é mais fácil estabelecer procedimentos e capacitações de juízes e servidores para melhor desempenharem suas funções. Ou, mais sinteticamente, distribuindo as competências entre várias “justiças”, acredita-se que todas as causas serão julgadas mais rapidamente.

A primeira distinção a fazer é que existem fundamentalmente dois tipos de “justiça”: justiça dita “comum” e justiças ditas “especializadas”. A distinção faz-se normalmente por matéria, isto é, pelo tipo de questão que é posta em juízo (criminal, trabalhista, militar, etc.) Quando houver uma justiça especializada para tratar de determinado assunto, competirá a ela julgar a causa. Quando não houver, a causa deverá ser julgada na justiça “comum”.

Dentro dessa distinção, no entanto, há outra a fazer: as justiças comuns e especializadas podem ser”estaduais” – quando forem afetas aos Estados da federação – ou podem ser “federais”- quando disserem respeito ao Governo Federal.

Assim, para ajudar os não iniciados, vou tentar enumerar de forma sintética todas as justiças, para que você não se perca no noticiário:

Justiça Estadual:

Só há dois tipos: a justiça militar estadual, responsável por processar e julgar os crimes cometidos por policiais militares. Excluem-se somente os crimes dolosos contra a vida praticados pelo PM, pois estes serão julgados pelo tribunal do júri, que se inclui no conceito de justiça comum. Além disso, todos os demais crimes serão julgados pela justiça comum estadual, salvo aqueles de competência da justiça federal (comum ou especializada), como se verá mais adiante.

Julgam-se também na justiça comum estadual praticamente todas as causas cíveis: batidas de trânsito, briga de vizinhos, discussão de contrato, heranças, posse de terrenos e por aí vai.

A única particularidade a ressaltar é que algumas causas criminais – consideradas de menor potencial ofensivo – e algumas causas cíveis – consideradas de menor complexidade – podem ser julgadas nos juizados especiais, que, em tese, oferecem uma prestação jurisdicional mais célere.

Justiça Federal:

Essa é um pouco mais complexa, porque há várias justiças especializadas dentro dela, além da comum, obviamente.

Há a justiça militar federal, responsável por julgar os crimes propriamente militares dos membros das forças armadas (exército, marinha e aeronáutica).

Há a justiça do trabalho, responsável por julgar as causas que envolvam relação de emprego, é dizer, os contratos de trabalho regidos pela CLT.

Há a justiça eleitoral, responsável por julgar as causas que envolvam eleições, como impugnação de urnas, registro de candidatos, descumprimento de prestação de contas eleitorais, e por aí vai.

Há, por último, a justiça comum federal, responsável basicamente por julgar as causas em que uma das partes é um ente da União, como um órgão federal, uma agência reguladora ou alguma entidade ministerial. Fora isso, a justiça comum federal também julga os crimes cujos danos digam respeito à União, como, por exemplo, falsificação de moeda, contrabando e tráfico internacional de entorpecentes.

Assim como no caso da justiça comum estadual, na justiça comum federal existem os juizados especiais, aplicando-se as mesmas regras de competência: para as causas criminais, os crimes de menor potencial ofensivo; para as causas cíveis, as de menor complexidade.

Evidentemente, há alguns casos especiais, mais técnicos, como o caso de uma ação entre um organismo internacional e alguma pessoa domiciliada no país. Mas aí já entraríamos numa seara estritamente técnica, fugindo ao espírito deste espaço.

De um modo geral, o quadro é esse. Espero que quando você veja agora o noticiário, não se perca no universo de liminares e “justiças”, reproduzidas indistintamente pela dicção rápida e confusa dos repórteres de jornal.

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