Nesta segunda-feira passada, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello deu uma entrevista no Programa Roda Viva. Dentre uma infinidade de temas mais importantes a serem debatidos, a discussão ficou basicamente restrita à liminar concedida por Marco Aurélio Mello, liminar esta que deu um freio de arrumação na atuação do Conselho Nacional de Justiça. Como inquisidores auto-investidos na tarefa de vingar a população “traída” pela liminar, a bancada de jornalistas partiu pra cima de Marco Aurélio. O resultado, contudo, não foi bem o esperado.
Pra situar quem não acompanhou o noticiário do final do ano passado, Marco Aurélio Mello deu uma liminar numa Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela AMB em que se questiona a possibilidade de o CNJ – sem motivação razoável – iniciar diretamente a investigação de magistrados sem depender de prévia instauração de processo administrativo no âmbito da corregedoria local de justiça.
Que Marco Aurélio poderia fazer o que fez, não se discute. É Ministro do STF, a ação estava proposta e, segundo o regimento do Tribunal, cabe ao relator tomar sozinho as medidas urgentes que julgue necessárias a resguardar a ordem constitucional. Discute-se, no entanto, se Marco Aurélio deveria ter feito o que fez. O problema, aqui, é mais de forma do que de mérito. Confesso que os argumentos colocados por ele não chegaram a me convencer quanto à urgência da questão. O tema poderia perfeitamente aguardar o retorno do recesso judiciário para ser apreciado pelo plenário do tribunal.
Se discordo na forma, no mérito acho que a decisão não poderia ter sido mais acertada. Segundo o texto constitucional, o CNJ não pode iniciar desde logo investigações contra magistrados sem que antes tenham assim procedido as corregedorias locais. Não há, em qualquer parte do art. 103-B da Constituição Federal autorização para o órgão se sobrepor aos tribunais locais. É a chamada “atuação subsidiária” do CNJ.
Os críticos de Marco Aurélio – Eliana Calmon adiante – defendem uma atuação “concorrente”, isto é, tanto faz iniciar a investigação diretamente no CNJ ou na corregedoria local. Qualquer um dos dois pode dar-lhe seguimento.
Noves fora a ausência de respaldo no texto constitucional, a competência concorrente traz três graves inconvenientes. Primeiro, elimina o “duplo grau de jurisdição”. É dizer: se o sujeito for julgado pelo tribunal local, pode recorrer ao CNJ. Se for julgado diretamente pelo CNJ, vai recorrer a quem? Segundo, torna desnecessárias as corregedorias estaduais. Se tudo pode ser julgado diretamente no CNJ, por que as manter? Em terceiro e último lugar, se tudo ficar concentrado no CNJ, inevitavelmente o órgão ficará sobrecarregado com casos de todo o país e acabará vítima do mal que pretendia combater: a morosidade da justiça.
Sobre esse último aspecto, é importante lembrar que o CNJ foi criado com o propósito específico de eliminar a morosidade judicial. Sua função precípua não era se tornar uma “delegacia de polícia” judiciária, como ironicamente referiu o Ministro Marco Aurélio. Essa verve policialesca é uma deformação completa da missão constitucional do CNJ.
Convém ressaltar também que a liminar de Marco Aurélio não retirou do CNJ o poder de avocar os processos quando demonstrado o atraso na instrução do processo, a tergiversação na sua condução ou mesmo a impossibilidade de o tribunal local conduzir as investigações. A questão, como ele mesmo ressaltou, é que isso é uma hipótese excepcional, a ser devidamente justificada; não pode ser tomada como regra. Fora disso, será transformar o CNJ em um verdadeiro tribunal de exceção, autorizado a pinçar os casos que lhe convém e julgar somente aqueles que lhe interessa.
Os críticos de Marco Aurélio – e isso ficou muito claro pela bancada de entrevistadores – pensam que o CNJ deve ter mais poderes, ante a ineficiência das corregedorias locais. Deve mesmo ter? Acho que não. Mas o fato é que não os têm. E enquanto não os tiver, convém que se limite a atuar conforme está previsto no texto constitucional.
Feliz do país que tem Marco Aurélio Mello sentado numa cadeira de ministro do STF.
Abaixo, a íntegra da entrevista. Vale a pena gastar um tempinho assitindo-a.
Excelente texto. “Feliz do país que tem Marco Aurélio Mello sentado numa cadeira de ministro do STF”. Concordo plenamente!
Obrigado pelo elogio. Abraços.