Muita gente costuma pensar que, durante a ditadura militar, quem estava do lado dos milicos era gente estúpida ou de má coração. Feliz ou infelizmente, a realidade era bem mais colorida do que essa versão maniqueísta de preto e branco que costuma permear o imaginário popular. Era o caso, por exemplo, de Teotônio Vilela.
Seguindo a carreira do pai, Teotônio construiu a carreira políticas nas Alagoas. Quando veio o golpe e a ditadura, Teotônio estava do “lado certo”, ou seja, ao lado dos que apoiaram os militares. Arenista de primeira hora, Teotônio elegeu-se senador em 1966 e de lá nunca mais saiu. Fez famoso pelos discursos apaixonados, com uma certa verve poética. Deve-se a um discurso dele, por exemplo, o luto oficial de três dias pela morte de JK (um proscrito) em pleno governo Geisel. Por essa e por outras razões, ganhou o apelido de “Menestrel das Alagoas”.
Ocorre, no entanto, que o epíteto cairia melhor em outro conterrâneo de Teotônio. Sim, estamos falando dele mesmo: Djavan Caetano Viana, ou, simplesmente, Djavan.

Alagoano de Maceió, esse filho de uma lavadeira e de um caixeiro-viajante de origem holandesa que fez o filho e depois partiu, Djavan deixou uma promissora carreira de jogador de futebol para mergulhar nos acordes melódicos que vinham do seu coração. Como bom nordestino, Djavan sofreu influência do frevo e do baião.
Mas, curiosamente, o primeiro sucesso veio através de um samba bem raiz, pule de dez em qualquer roda que se preze. Apesar das lendárias (e trágicas) teorias conspiratórias que a cercam, Flor de Lis retrata apenas mais uma daquelas histórias de amor sofrido. É também do álbum de estréia outro clássico do samba e do cancioneiro nacional: Fato consumado.
Ao contrário de muitos artistas por aí, Djavan não fez sucesso e deitou na cama. Pelo contrário. Foi trabalhar duro. Em um amadurecimento musical impressionante pela rapidez com que se consumou, Djavan começou a emendar álbuns e hits numa sucessão impressionante. No começo da década de 80, não teve pra ninguém. Com quase um disco por ano, Djavan tornou-se figurinha carimbada nas paradas de sucesso.
Em Alumbramento (1980), por exemplo, temos duas de suas melhores canções: Lambada de serpente e Meu bem querer.
No ano seguinte (1981), Seduzir trazia, além da música-título, a inesquecível Faltando um pedaço.
Sem perder o pique, Djavan lançou em 1982 o que foi talvez o melhor álbum no seu conjunto: Luz. Além dos clássicos Pétala, Sina e Açaí, Djavan ainda se deu ao luxo de gravar a belíssima Samurai com nada mais, nada menos do que Stevie Wonder fazendo a harmonia da canção.
Sina, por sua vez, popularizaria o verbo “Caetanear”. Neologismo para qualquer um que aja de forma lírica, poética e inovadora, a música virou sucesso instantâneo e rendeu até um fantástico e inesperado dueto com o “muso inspirador” do verbo:
Açaí, contudo, viria a se tornar uma espécie de “maldição” para Djavan. O crítico de música Artur Xexéo – que pegara uma rixa com o cantor por motivos menores – resolveu tirar onda com a letra a canção e criou o irônico prêmio “Zum de Besouro”, “oferecido” aos artistas que produzissem qualquer coisa non sense. O próprio Djavan, por mais uma vez, sentiu-se obrigado a ter de explicar a letra da música em entrevistas:
Apesar dos entreveros com a crítica musical, Djavan seguiu em frente. Lilás, em 1984, traria consigo a linda música-titulo:
Mas foi no final dos anos 80 que Djavan compôs aquela que seria sua obra-prima. Trilha sonora romântica da novela Top Model, Oceano nasceu imortal, sendo considerada por muitos críticos a música mais bonita de toda a Música Popular Brasileira.
Sem tirar o pé do acelerador, Djavan entrou com tudo nos anos 90. No seu Coisa de Acender, ele trouxe a belíssima Se…, com uma analogia que entraria para o folclore popular: “Mais fácil aprender japonês em braile“.
Djavan fez-se tão versátil que foi até chamado pelos Paralamas do Sucesso para fazer uma participação especial em Vamo batê lata. Uma brasileira fez sucesso não só nas rádios, mas também em vídeo, levando dois prêmios no MTV Music Awards de 1995:
Como se vê, a cronologia de Djavan não é apenas uma linha de tempo em que se empilham sucessos. É antes tudo o retrato de um alquimista musical que fundiu o regional com o universal, criando um estilo a um só tempo elegante e atemporal. Por isso mesmo, mais do que Teotônio Vilela, se há alguém que merece receber o título de “Menestrel das Alagoas”, esse alguém atende pelo nome de Djavan.