Como esperado, a condenação definitiva de Jair Bolsonaro deflagrou de vez um processo de barata-voa na extrema direita tupiniquim. Com seu principal expoente já em prisão domiciliar e a caminho da Papuda, os reacionários nacionais encontram-se numa busca desesperada por uma alternativa eleitoralmente viável para enfrentar Lula no ano que vem.
Para os otimistas dessa corrente, a resolução do imbróglio é relativamente fácil. Bolsonaro abençoa o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como seu sucessor e a parada estaria decidida. Ungido pelo Centrão dinheirista – que quer emparedar o Supremo para livrar-se dos seus processos de roubança dos cofres públicos – e pelo pessoal de “o mercado” – que topa qualquer negócio, até acabar com a democracia, desde que se tire a esquerda do poder –, Tarcísio seria o oponente perfeito para evitar a sexta vitória presidencial do torneiro bissílabo de São Bernardo (quatro dele somadas às duas de Dilma). Tudo muito bom, tudo muito bem, então.
Só que não.
Além das dificuldades inerentes ao próprio candidato (para saber mais, clique aqui), o xadrez da substituição de Bolsonaro é muito mais complexo do que o que esse raciocínio simplista induz.
Pra começo de conversa, há de se ter em mente que Jair não é líder de coisa alguma, muito menos da família dele. As conversas vazadas entre os zaps de Eduardo Bolsonaro e do ex-presidente são a demonstração mais evidente disso. Com o “Rei” em xeque, Dudu Bananinha parece querer fazer as vezes de cavalo, saltando loucamente pelo tabuleiro. Pra piorar, o 03 da família Bolsonaro já anunciou abertamente a disposição de sacrificar todas as peças – na famosa estratégia de “terra arrasada” – para conseguir seu o objetivo: vingar-se dos “ditadores de toga”.
O problema é que os movimentos do cavalo no xadrez são bem limitados. Ele só anda em “L” – a ironia, aqui, é incontornável – e, mesmo com a ajuda do Rei, é incapaz de dar xeque-mate em alguém. Com todas as outras peças sacrificadas – o agro e a Faria Lima já o abandonaram depois da suicida estratégia de apoiar o tarifaço de Donald Trump –, é improvável que o Centrão embarque na sua empreitada.
Nessa hipótese, restaria ao Bananinha somente adotar a estratégia do pombo: defecar no tabuleiro e sair voando a cantar vitória. O que, traduzindo em termos práticos, significaria sair do PL e concorrer por algum partido alternativo (o PRTB já lhe ofereceu o aluguel da legenda). Com isso, estaria aberta a cizânia na oposição ao PT. De um lado, teríamos uma extrema-direita “light” – ou “bolsonarismo moderado”, como queiram –, representada por Tarcísio de Freitas. Do outro, a extrema-direita hardcore – representada por Dudu Bananinha. Com a “guerra civil” instalada, o mais provável é que ambos se canibalizassem na campanha e tornassem mais fácil o caminho da reeleição de Lula.
Como desgraça pouca é bobagem, ao lado dessa partida principal rolaria uma partida simultânea, jogada entre Tarcísio de Freitas e os pretendentes ao trono de governador que ele abandonaria. Segundo maior orçamento da República, o governo de São Paulo é um troféu almejado por muitos políticos. Antes de deixar o cargo para concorrer a presidente, Tarcísio precisa antes acertar como faria a própria sucessão. Do contrário, já entraria capengando na disputa presidencial.
Até onde a vista alcança, há três candidatos a suceder o governador paulista: Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo; seu vice, Felício Ramuth; e o seu tutor e guru intelectual Gilberto Kassab. Kassab já disse abertamente que prefere que Tarcísio fique onde está e só concorra em 2030, quando ele acredita que seja mais viável herdar o Palácio dos Bandeirantes.
Ricardo Nunes também almeja o posto, mas seu desempenho sofrível na campanha pela reeleição (só ganhou porque do outro lado havia o rejeitado Guilherme Boulos) descredencia o prefeito para o posto. Ramuth é um ilustre desconhecido, mas nenhum vice gosta de ser passado para trás caso o titular deixe o cargo. Antes de resolver essa pendenga, não há como Tarcísio sonhar com o Planalto.
Como pano de fundo dessa disputa fratricida, estaria ainda o fantasma de Geraldo Alckmin. Único sujeito na história a governar São Paulo por quatro vezes, o famoso “Picolé de Chuchu” é lembrado com carinho por boa parte da população paulista. Sentado no banco como candidato a vice de Lula, Alckmin poderia muito bem ser deslocado para tentar mais uma vez o Palácio dos Bandeirantes. Se contra um Tarcísio candidato à reeleição sua candidatura seria quase como ir para o sacrifício, contra qualquer um dos possíveis substitutos sua vitória não seria apenas possível, mas até provável.
Tarcísio, portanto, está espremido entre duas disputas. Pior. Não parece adequadamente preparado para qualquer delas. Neófito na política, é difícil imaginar que o governador paulista acerte uma sequência vencedora em duas partidas simultâneas de xadrez, sem que em algum momento escorregue numa casca de banana. Basta um passo em falso para que Tarcísio não só não ganhe o Planalto, como ainda perca o Palácio dos Bandeirantes.
Terá ele coragem para correr esse risco?