“Não faz sentido”. É o que passa na cabeça de qualquer pessoa sã que analisa os últimos movimentos de Tarcísio de Freitas nos últimos dias. Para quem se vendia como “moderado” e “técnico”, de repente parece estranho ver essa mesma personagem rasgar as vestes e assumir-se como membro honorário da direita hidrófoba.
Apenas nesta semana, Tarcísio de Freitas: 1) Disse que não confiava na Justiça; 2) Defendeu a anistia aos golpistas, em especial à sua cúpula; e 3) Afirmou que, caso seja eleito presidente, seu primeiro ato seria indultar Bolsonaro e a cúpula do golpe. Todos esses são movimentos que apenas um legítimo defensor da extrema-direita seria capaz de tomar. E aí a pergunta que vem à mente é. “O que se passa na cabeça de Tarcísio?”
Do ponto de vista estritamente político e pragmático, o raciocínio é até relativamente simples. Tarcísio quer ser candidato a presidente, porque acha que bate Lula na eleição do ano que vem. Para tanto, precisaria do beneplácito de Bolsonaro, representante máximo da extrema-direita nacional. Como as mensagens de Dudu Bananinha revelaram, Tarcísio não é engolido pela família Bolsonaro porque seria um oportunista que não quereria queimar seu capital político defendendo a anistia ao ex-presidente. Para neutralizar esse veto, tome a abraçar com fervor a pauta dos extremistas. Daí as declarações contra a Justiça brasileira, o empenho na votação da impunidade aos golpistas e a promessa de indulto em caso de vitória. O problema, contudo, é que essa visão pode não corresponder exatamente à realidade.
Ex-capitão do Exército – assim como Bolsonaro -, Tarcísio construiu sua carreira como burocrata. Passou em um concurso para analista da CGU e, de lá, conseguiu fazer a corte de alguns políticos no Congresso para subir na estrutura de poder brasiliense. Como todo burocrata carreirista, Tarcísio não fazia distinções ideológicas. Não por acaso, seu primeiro cargo de projeção nacional foi ser Diretor do DNIT. E quem foi a autoridade responsável por sua nomeação? A ex-presidente Dilma Rousseff.
Com as amizades construídas durante esse tempo, Tarcísio conseguiu cavar sua vaguinha no ministério de Bolsonaro. Seu desempenho no Ministério da Infraestrutura qualifica-se entre o fraco e o ordinário. O máximo de boa gestão que ele produziu foi dar curso a centenas de obras paradas de governos anteriores. Desconhece-se, entretanto, uma única obra que tenha sido projetada, licitada, construída e finalizada durante seu tempo de ministro. Mas, como o ministério de Bolsonaro variava entre o bizarro e o burlesco – não nos esqueçamos, por exemplo, de Abraham Weintraub como Ministro da Educação e Eduardo Pazuello como Ministro da Saúde -, Tarcísio se sobressaía por ser “normal”, quando era apenas medíocre.
Bolsonaro, contudo, soube explorar essa fama desproporcional à competência para alavancar a candidatura de Tarcísio ao Palácio dos Bandeirantes. Sabendo que São Paulo, desde sempre, é a cidadela do anti-petismo, bastaria lançar um candidato antípoda ao PT que não defendesse que a Terra era plana para vencer a parada. Foi assim que o carioca Tarcísio de Freitas – que nunca tinha disputado uma eleição sequer e, durante a campanha, foi incapaz de responder onde votava – foi catapultado ao comando do segundo maior orçamento da República.
Tendo essas balizas em mente, não será exagero supor que, no cargo de governador, Tarcísio sinta uma enorme insegurança quanto à sua própria situação. Como os exemplos de figuras como Joice Hasselmann e João Doria mostram, eleger-se com o apoio de Bolsonaro e depois renegar o padrinho é uma postura política altamente arriscada. Por isso tão seguidas e aparentemente incompreensíveis demonstrações de lealdade demonstradas pelo inquilino do Palácio dos Bandeirantes ao ex-presidente.
Talvez Tarcísio de fato acredite que, agindo assim, conseguirá que Bolsonaro, através de um dedazo, aponte-o como sucessor na eleição de 2026. E talvez ele acredite realmente que, conseguindo isso, estará livre para poder agir com moderação depois de conseguir a indicação do padrinho político. Essas crenças, contudo, têm tudo para se revelar uma ilusão.
Vamos supor que Tarcísio consiga articular de fato uma anistia para Bolsonaro. A preço de hoje, o que se quer é um acordo através do qual se anistiariam as questões penais – para livrar Jair da cadeia -, mas mantém-se a sua inelegibilidade – deixando a pista desimpedida para Tarcísio concorrer. Alguém por aí acha que, uma vez livre, Bolsonaro vai se contentar em permanecer inelegível? No dia seguinte o ex-presidente lançará uma campanha para reverter sua inelegibilidade, com o “argumento” já professado de que “eleição sem Bolsonaro é negação da democracia” (risos).
Ainda que Bolsonaro “honrasse” esse acordo espúrio, seria de uma ingenuidade atroz imaginar que Tarcísio poderia fazer a campanha do jeito que quisesse. Como Jair se entende como líder único, absoluto e exclusivo da direita brasileira, ele estaria a todo momento puxando Tarcísio para fazer a sua campanha, isto é, a abraçar cada vez mais as pautas da extrema-direita: guerras ideológicas à esquerda; ao identitarismo; anti-vacinação; home schooling; entre outras bizarrices do gênero.
Premido pela ameaça constante de abandono ou, pior, da abertura de fogo amigo, a Tarcísio não restaria outra opção senão aquiescer com todo e qualquer pedido que seu padrinho fizesse. Isso, claro, para não falarmos do risco permanente de que Carluxo ou Dudu Bananinha sentissem inveja ou rancor de ver alguém sem o sobrenome Bolsonaro concorrendo a presidente e resolvessem acionar seus respectivos gabinetes do ódio para atacar o governador paulista.
Como já se escreveu aqui uma porção de vezes, é mais fácil acreditar em Boitatá ou em Mula sem Cabeça do que na hipótese de um “bolsonarismo moderado”. Se o estratagema arquitetado pelo Centrão e pela extrema-direita for adiante, não se engane. Na eleição do ano que vem, não haverá Tarcísio de Freitas. O que haverá é Bolsonaro II.
É esperar pra ver.