Tava demorando…
Para quem esperava pelo ataque de Donald Trump desde quando ele assumiu, no começo deste ano, sete meses até que foi um prazo razoavelmente longo para que as instituições brasileiras fossem alvo da fúria do Nero dos nossos tempos. Exatamente como foi previsto aqui, não adiantava acreditar em moderação. Em algum momento o Laranjão viria com tudo para cima do Brasil. A dúvida era apenas saber: 1) “quando”; 2) “por quê?”.
“Quando”, já sabemos. Foi agora, menos de uma semana depois do encerramento da reunião dos Brics no Rio de Janeiro. Como boa parte das coisas na vida, também aqui o timing é bastante sintomático. Se coincidências já são raras na vida em geral, quando se fala de política externa – ainda mais da maior potência do planeta – elas são virtualmente inexistentes.
O que nos dá, por consequência, uma pista sobre o porquê. Apesar do autoexilado Eduardo Bolsonaro tentar reclamar para si os louros dessa “vitória”, é no mínimo duvidoso acreditar que um sujeito como Donald Trump resolvesse comprar briga por conta de Jair Bolsonaro, o chefe de Estado mais subserviente no tempo do seu primeiro mandato. Embora tenham compartilhado dois anos de período presidencial, o Laranjão não veio uma vez sequer ao Brasil, taxou as exportações de aço brasileiro para os Estados Unidos e nem sequer – suprema desfeita – seguia o chefe do clã Bolsonaro no Twitter. Logo, creditar ao “Bananinha” a responsabilidade pelo tarifaço aos produtos brasileiros é atribuir-lhe uma importância que ele definitivamente não tem.
Se isso não fosse o bastante, um bilionário liberticida e narcisisticamente autocentrado como Trump jamais queimaria pestanas por BOs alheios. Afinal, como ele mesmo disse na “carta” que enviou pelo Twitter ao governo brasileiro, caso as empresas brasileiras resolvam transferir suas fábricas pra lá, as tarifas seriam removidas imediatamente. Ele se prontifica inclusive a resolver a questão da papelada “em semanas”, como diz a própria carta. Ou seja: se trouxerem investimentos (e empregos) para os Estados Unidos, dane-se Bolsonaro e sua trupe.
“Mas se não foi por isso, foi por que, então?”
Excluindo, por absoluta falta de lógica, a hipótese de que isso tenha sido motivado por afinidade ideológica ou alguma espécie de solidariedade a Bolsonaro, restam duas hipóteses, ambas entrelaçadas: a primeira, de natureza geopolítica; a segunda, de natureza econômica.
Do ponto de vista geopolítico, a grande briga dos Estados Unidos, hoje, é contra a China. Nessa Guerra Fria 2.0, as superpotências olham para o globo como a gente costumava olhar para o tabuleiro de War: “que território eu posso conquistar?” No caso dos EUA, a América Latina sempre foi o seu quintal. E a última coisa que passa pela cabeça dos norte-americanos é deixar o Brasil cair nos braços de seu maior inimigo geopolítico. Como o Brics, na configuração atual, é basicamente uma “ONU do B”, comandada pelos chineses, atingir o Brasil não deixa de ser uma forma de também passar um recado para o Império do Meio.
Do ponto de vista econômico, o tarifaço trumpista tem íntima ligação com a questão geopolítica. Se os Estados Unidos são o que são hoje, muito disso se deve ao fato de o dólar ser não somente a moeda de referência mundial, como também a moeda de reserva de praticamente todos os países do mundo. Todavia, graças ao declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos e à ascensão de outras potências como a própria China, esse verdadeiro monopólio de emissão de moeda já não é mais o mesmo. Na virada do milênio, o dólar respondia por 75% das reservas mundiais. Hoje, esse percentual não passa de 5%, com tendência de queda.
Juntando lé com cré, dá pra entender a razão pela qual Trump produziu tamanho piti. Dado que Lula é o parceiro do Brics mais vocal no desejo de “desdolarização” da economia mundial, o Laranjão juntou a fome – o desejo de expressar seu poder imperial – com a vontade de comer – retaliar um país que “ameaça” a hegemonia do dólar. Melhor para o Nero Laranja, já que, ao contrário da China, o Brasil não tem nem cacife nem estofo para uma disputa do tipo tatibitati com os americanos. O dano potencial à economia brasileira é muito maior do que à norte-americana, caso o Brasil decida retaliar na mesma moeda.
“E agora, o que é que a gente faz?”
Bom, numa disputa louca como a do Laranjão, algumas coisas são inegociáveis. A primeira delas refere-se justamente ao pretexto mais esdrúxulo utilizado como preteexto para o tarifaço: a suspensão do processo contra Bolsonaro e os golpistas de 8 de janeiro. Ao contrário dos Estados Unidos, incapazes de punir um criminoso como Trump por tentar dar um golpe de Estado, aqui as instituições funcionam. Não somos uma república de bananas, que cede às chantagens e aos caprichos de um candidato a protoditador alaranjado. Ademais, ainda que quisesse, Lula não tem nem poder nem competência constitucional para fazer parar o processo contra Bolsonaro. Discutir isso, portanto, está fora de questão.
Difícil também vai ser negociar as tarifas sob um ângulo estritamente econômico. Afinal, o pressuposto invocado pelo Laranjão na sua cartinha é o fato de que “as injustas medidas” tarifárias do Brasil causaram um déficit que ameaça a “segurança nacional” norte-americana. O problema é que, desde 2009, a balança comercial entre o Brasil e os Estados Unidos é superavitária. Pra eles. Pra nós, já são quase US$ 90 bi de déficit acumulado em 15 anos. A questão aí, portanto, não é de política comercial. É de aritmética.
Resta, então, tentar agir com a cabeça e deixar o fígado de lado. Se existe uma coisa na qual o Brasil é bom é na diplomacia. Um dos melhores grupos técnicos que o Estado brasileiro foi capaz de construir até hoje é justamente o corpo de diplomatas do Itamaraty. Brasil e Estados Unidos são aliados há mais de 200 anos. Os americanos foram os primeiros a reconhecer a nossa independência de Portugal. Nas duas guerras mundiais, o Brasil lutou ao lado dos americanos. E, durante toda a Guerra Fria, o Brasil se posicionou do lado do Ocidente contra a União Soviética. O histórico, portanto, joga a nosso favor.
A desgraça produzida pelo Laranjão não é pequena, ressalte-se. Mas, assim como aconteceu em seu primeiro mandato, uma hora ela acaba. Tal qual o desgoverno bolsonarista, também o Apocalipse Trumpista irá passar. Cabe a nós, os verdadeiros patriotas, trincarmos os dentes e brace for impact. Como ensina um clássico da Sessão da Tarde dos anos 80:
Desistir? Nunca.
Render-se? Jamais